Hold the Fort (2025) – Fantasia International Film Festival

Gosto de analisar um filme de acordo com o que ele se propõe, e acredito que Hold The Fort é muito eficaz nesse sentido. O longa, presente na seleção da edição de 2025 do festival franco-canadense Fantasia International Film Festival, já abre com uma divertida e sangrenta cena inicial, que define bem o tom de bizarrices e comédia que encontraremos ao longo de seus 74 minutos.

No filme de William Bagley, que coescreveu o roteiro com Scott Hawkins, um casal se muda para uma vizinhança aparentemente perfeita e tipicamente norte-americana. Mas, já em uma simples corrida matinal, um dos protagonistas se depara com elementos fora do comum, como um vizinho recebendo pacotes de munição em casa e um livro sobre como combater lobisomens.

Com menos de 20 minutos de filme, já estamos tão imersos no universo que aceitamos tranquilamente a aparição de bruxas pouco antes da primeira explosão de sangue, que acontece junto com a entrada triunfal do carismático McScruffy (vivido por Hamid-Reza Benjamin Thompson). Os personagens, aliás, são um dos grandes trunfos do filme. Juro que soltei um “aaah” quando alguns deles se transformaram em zumbis.

O longa tem o charme de uma série de TV aberta do início dos anos 2010 (e digo isso como um grande elogio — eu com certeza acompanharia essa série) e também funciona como uma homenagem aos grandes monstros e criaturas do cinema de gênero.

Alguns personagens flertam com o caricato, o que pode afastar quem tiver mais dificuldade para embarcar no nonsense. Ainda assim, as piadas são muito bem encaixadas nos diálogos, e os protagonistas são bem apresentados dentro de uma estrutura narrativa que segue, com competência, clichês clássicos dos filmes de apocalipse zumbi e companhia (e isso também é um elogio!). Luccas, personagem de Chris Mayers, praticamente presta tributo a Ash, de Evil Dead, em sua jornada emocional ao longo do filme.

Outro destaque vai para as cenas de ação. Em uma sequência especialmente inspirada, os personagens precisam trabalhar juntos para derrotar uma espécie de vampiros-zumbis — um precisa empurrar a estaca no peito dos mortos-vivos com a ajuda do outro. É uma das cenas mais bem filmadas do longa.

Bruxas, zumbis, lobisomens (adorei a cena em que o lobisomem aparece), monstro final e grandiosas cenas de sacrifício podem parecer uma mistura caricata (e, na verdade, até é), mas era exatamente o que eu precisava no fim de um dia cansativo.

Uma Advogada Brilhante (2025)

Juro que entrei na sessão de Uma Advogada Brilhante, novo filme de Ale McHaddo, estrelado por Leandro Hassum, com um pouco de boa fé para uma história que não entregasse o que praticamente promete num pôster e num trailer problemático. O longa chegou aos cinemas brasileiros no último dia 6 de março e talvez eu tenha cometido um erro ao entrar na sala de cinema com o mínimo de positividade para o que estava por vir.

No filme, Dr. Michelle, um advogado recém-divorciado, decide se disfarçar como mulher para não perder seu emprego durante uma reestruturação e conseguir a guarda de seu filho. Porém, viver como Dra. Michele se revela mais desafiador do que esperado.

Mas não vou me culpar, mudei meu pensamento positivo de forma rápida. Logo no começo do filme, Danilo Gentili interpretando um personagem chamado Daniel Gentil já foi sinal vermelho suficiente. A partir daí, a sucessão de piadas questionáveis (para dizer o mínimo) é crescente.

O humor tenta surgir de trocadilhos com o nome de Pabllo Vittar, do supostamente hilário nome “Mamma Minha” para uma pizzaria italiana, de associações maldosas com cemitério indígena e até da ideia de que alguém pesa muito por comer muita pizza. Juro que o nome “Power Guido” é citado. E há ainda piadas com berinjela e com uma linguiça cortada na cozinha do restaurante. Essas duas últimas, aliás, conversam com uma questão crucial da história do longa.

Com a trama centrada em um personagem homem cis que passa a se vestir e portar como é esperado socialmente de uma mulher, a chance de se esbarrar em transfobia é imensa. Piadas usando “nome morto” (termo que se refere ao nome que uma pessoa trans usava antes da transição) e tirando sarro de pronome neutro são feitas sem pensar duas vezes. Para “amenizar” essas situações ou se defender antecipadamente, o longa ainda usa uma personagem trans como irmã do protagonista o reprimindo em alguns momentos. Poderia ser um ponto positivo caso não parecesse estar lá apenas para dar o aval do roteiro fazer piadas com um homem vestido de mulher. Em 2025.

Michelle prova roupas femininas ao som de As Frenéticas cantando “eu sei que eu sou bonita e gostosa”, numa tentativa preguiçosa e problemática de arrancar risadas. Há uma tentativa de crítica. O personagem de Hassum passa a aprender as dificuldades de ser uma mulher ao se passar por uma, mas a crítica fica rapidamente datada quando um dos maiores problemas que ele enfrenta é ser interrompido por outros homens. Tudo é muito raso, e as piadas, que muitas vezes parecem atacar qualquer tentativa de crítica social, acabam diminuindo qualquer discussão ou pauta séria.

Além disso, o roteiro assinado pela própria Ale McHaddo, por Luiz Felipe Mazzoni e Cristiane Wersom, não se segura no sentido de estrutura e verossimilhança. O julgamento de guarda de uma criança é feito nos moldes de um tribunal americano, um romance aparece no meio do filme levando a mais piadas comprometedoras envolvendo Michelle se interessando por outra mulher enquanto está vestido de mulher e outros personagens mudam de comportamento sem qualquer justificativa. A trama principal se encerra antes da meia hora final do filme, quando a história se torna outra.

Obviamente, todos os erros do protagonista e de seus colegas são justificados em prol de manter uma família unida. E se a ideia é referenciar e/ou homenagear clássicos da Sessão da Tarde como Uma Babá Quase Perfeita ou Tootsie, vale lembrar que esses filmes foram lançados há mais de 30 anos.

NOTA: 0,5/5