A cena inicial de O Melhor Amigo, novo longa de Allan Deberton (Pacarrete), apresenta uma situação embaraçosa o suficiente para criar certa conexão com o protagonista Lucas (Vinicius Teixeira). O carro de som constrangedor enviado pelo namorado de Lucas, porém, não é suficiente para que essa conexão se mantenha com o personagem principal pelo restante da história.
Lucas abandona o namorado e deixa para trás sua vida na cidade grande, partindo para férias em Canoa Quebrada, onde reencontra o moreno alto, bonito e sensual Felipe (Gabriel Fuentes), seu amigo de infância. Quando antigos desejos despertam, Lucas se perde nas noites quentes e musicais do lugar em busca de Felipe, que parece cada vez mais distante.
Só o fato de se propor a ser um musical brasileiro centrado em uma trama gay, a produção já soma muitos pontos. Apesar da primeira música demorar a aparecer e de todos esses momentos cantados não serem exatamente pontos de grande movimento para a trama, suas construções são divertidas e a escolha de canções populares como Amante Profissional ajuda na animação que o longa quer proporcionar. Acho o momento musical de Escrito nas Estrelas extremamente bonito, aliás.
Com muitos corpos à mostra e tensão sexual no ar a todo momento, o filme surpreende ao ser um tanto envergonhado, nunca indo a fundo para explorar essa dimensão. O protagonista navega pelo aplicativo de pegação e as imagens de nudes são mostradas de forma desfocada de maneira amadora, então não seria melhor mostrar apenas a conversa? Lucas também se aventura como marmita de casal em uma cena que é cortada imediatamente após a primeira troca de beijos. Parece que qualquer possibilidade de explorar a sexualidade de maneira mais intensa é podada.

Ainda dentro da temática queer, as situações em que Lucas se coloca como homem gay são bastante reais e fáceis de identificar (de um jeito positivo), o longa se destaca especialmente quando coloca o protagonista imerso em comunidade onde recebe força e apoio. As cenas protagonizadas pelo grupo de drag queens e mulheres trans que acompanham Lucas são os momentos mais emocionantes do longa. Destaco especialmente a bela cena no beco, onde o protagonista conversa com a drag Deydianne Piaf, do ótimo Denis Lacerda – talvez o ponto que mais tenha me marcado no filme.
As soluções fáceis da primeira metade do roteiro, como um empurrão forçado para que Lucas cante constrangedoramente no karaokê, se transformam em uma sucessão de situações jogadas que deixam a segunda parte mais bagunçada. Os desfechos são mal construídos e fazem parecer que o longa não está tão preocupado em manter uma coesão narrativa, mas sim em outros momentos marcantes e/ou divertidos durante seus 96 minutos de duração.

O protagonista também não ajuda muito, a falta de artifícios para que se crie empatia com ele é tanta que eu chego a questionar se ele realmente gosta do namorado apesar de constantemente repetir que sim. E achei bem difícil comprar a questão de como o personagem lida com a temática corporal. O filme parece tentar evitar a gordofobia, mas acaba caindo nela ao limitar o comentário de Lucas sobre o tema a uma única fala e ao resolver de maneira rasa a relação de Martin (Léo Bahia), namorado do protagonista, com os outros personagens. Não sei se algo pode ter sido cortado ou se realmente há uma falta de aprofundamento do assunto.
De qualquer modo, O Melhor Amigo cria um ótimo respiro para produções LGBTQIA+ brasileiras, apontando para possibilidades de narrativas pouco exploradas. A participação de nomes como Claudia Ohana, Gretchen e Mateus Carrieri reforçam o comprometimento do longa com a cultura popular, assim como o fato de se passar fora do sul ou sudeste brasileiro. Espero, de verdade, que o longa de Deberton vire referência de cinema queer para o que está por vir daqui pra frente no Brasil.

