Oeste Outra Vez (2024)

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Oeste Outra Vez finalmente chega aos cinemas nacionais trazendo um faroeste brasileiro baseado na masculinidade exagerada.

No filme, no sertão de Goiás, homens brutos que não conseguem lidar com suas fragilidades são constantemente abandonados pelas mulheres que amam. Tristes e amargurados, eles se voltam violentamente uns contra os outros.

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Câncer com Ascendente em Virgem (2024)

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

É muito bonito ver a equipe de um filme tão envolvida e engajada em seu trabalho, levando realmente a sério a ideia de que o cinema é uma arte coletiva e compartilhada. Esse definitivamente é o caso de Câncer com Ascendente em Virgem.

No filme, acompanhamos Clara (Suzana Pires), uma professora que, após receber o diagnóstico de câncer de mama, começa a ver sua vida e suas relações sob uma nova perspectiva, sempre apoiada pela mãe, Leda (Marieta Severo), e pela filha Alice (Nathália Costa). O longa é dirigido por Rosane Svartman (Desenrola, Como Ser Solteiro) e é baseado na história da produtora Clélia Bessa, que durante o tratamento que a curou de um câncer de mama em 2008, lançou o blog “Estou com Câncer, e Daí?”, que posteriormente foi transformado em livro. O roteiro é assinado por Suzana Pires, em parceria com Martha Mendonça e Pedro Reinato, e conta com a colaboração de Ana Michelle, Rosane Svartman e Elisa Bessa, filha de Clélia.

Desde a apresentação dos patrocinadores e instituições parceiras, o filme não sente vergonha de assumir o papel de uma espécie de campanha de prevenção ao câncer de mama. Seus primeiros minutos se transformam num manual desse cuidado, passando pela descoberta do tumor, uma segunda, terceira e outras opiniões sobre o caso, até o conselho de que Clara deve aproveitar bem a vida antes de começar a quimioterapia.

O tom varia entre o drama e a comédia na defesa de uma leveza para o filme, mas acaba caindo em alguns clichês e estranhezas quando piadas se perdem no meio de uma trilha sonora pesada, que é boa, mas tira o efeito de momentos engraçados, como quando Clara menciona que o pensamento de que sua filha teria que ser cuidada somente pelo ex foi o suficiente para motivá-la contra o câncer. A trilha, aliás, é original e assinada por Flavia Tygel, contando ainda com uma canção interpretada por Preta Gil, que teve sua história com o câncer muito comentada nos últimos anos.

Ainda nas repetições narrativas, o texto não poupa momentos e frases motivacionais. Algumas frases chegam a soar didáticas e não muito verossímeis dentro dos diálogos, apelando de forma fácil para a emoção quando questiona termos como “perder a batalha para o câncer” e usando frases de consolo como “essa dor que você está sentindo é do tamanho do amor que você sente por ela”.

O roteiro acerta ao complexificar sua protagonista, somando questões para além de sua saúde. Os fatores de ser mulher, mãe, divorciada e uma professora que cria videoaulas para internet são amarrados de forma muito orgânica na narrativa e usados de maneira equilibrada, nada é aleatório e todas as questões se amarram. Outro acerto é a abordagem do tema geracional presente na relação familiar das três mulheres principais do longa. A intimidade entre Clara, Alice e Leda salva, por exemplo, uma clássica cena dos filmes com a mesma temática, com a protagonista raspando a cabeça, de cair num grande clichê. A cena comove muito também por conta do elenco. O filme também faz questão de jogar fora qualquer ideia de rivalidade feminina, colocando Ju (Julia Konrad), a atual do ex, também em um papel de apoio para a protagonista.

O elenco pode ser considerado o ponto alto do longa. Suzana Pires está completamente envolvida e entregue ao seu papel, expressando emoção para além da personagem nas cenas mais exigentes. O auge disso é a bonita cena da praia, em que a personagem mergulha no mar acompanhada de suas parceiras de vida naquele momento. Marieta Severo segura com seu incontestável talento uma personagem que demora para engrenar e fica presa na piada repetitiva de apostar em várias crenças religiosas para apoiar a filha. Além delas, o filme também conta com a jovem e ótima Nathália Costa, o talento já conhecido de Julia Konrad e Ângelo Paes Leme.

Fabiana Karla e Carla Cristina Cardoso (também ótimas) interpretam as amigas da protagonista. Enquanto a primeira é uma vendedora que tem seus laços intensificados com Clara após revelar que também vive com câncer, caminhando para um lugar bastante previsível dentro da história, a segunda assume o papel de melhor amiga, o que me faz questionar um ponto mais delicado do longa. Há uma clara preocupação em colocar atores negros ao redor da protagonista do longa, mas todos aparecem sem muita profundidade ou outras camadas, ao contrário de todos dos papeis de todos os outros membros brancos do elenco principal. Enquanto Paula, personagem de Carla, é a amiga negra que representa todas as amigas ao redor da protagonista da história real, temos atores negros interpretando médicos e até uma transa casual da personagem principal. A impressão, infelizmente, é de que essas pessoas estão ali para garantir a diversidade visual do elenco.

Já na reta final, Câncer com Ascendente em Virgem segue caminhos mais tradicionais para tramas do gênero. Vemos a protagonista exausta, tendo seu cansaço disfarçado por filtros de aplicativos para celular em uma ótima sacada da história, mas com uma exposição também fácil quando chega ao auge desse sentimento durante uma live que a personagem faz com o humorista Yuri Marçal.

Cheio de boas intenções bem fundamentadas e que cumprem seu papel, o filme termina com um ar de “filme para toda família”, o que é ótimo, mas o limita em grandes inovações que a história poderia proporcionar. Mas essa é a proposta do longa e está tudo certo. A sensação de que o trabalho cuidadoso foi feito com uma extrema parceria da equipe, como mencionei no começo do texto, é, com razão, um dos fatores mais emocionante dessa bonita história.

Baby (2024)

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Vencedor do prêmio de ator em ascensão para Ricardo Teodoro na Semana da Crítica do Festival de Cannes

Depois de sucesso em festivais ao redor do mundo, Baby, novo filme do diretor Marcelo Caetano (Corpo Elétrico) chega aos cinemas do Brasil.

No filme, após ser liberado de um centro juvenil, Wellington (João Pedro Mariano) se vê sem teto em São Paulo. Em um cinema pornô, ele conhece Ronaldo (Ricardo Teodoro), que o ensina a sobreviver nas ruas. O vínculo entre eles se transforma em um caso turbulento.

O filme se destaca ao mostrar com sensibilidade a relação de seus complexos personagens na São Paulo dos marginalizados.

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Ainda Estou Aqui (2024)

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza pelo trabalho da dupla Murilo Hauser, Heitor Lorega

Finalmente! O filme brasileiro Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, chega aos cinemas nacionais! O longa é estrelado por Selton Mello e Fernanda Torres, que ganha cada vez mais força nas especulações de uma possível indicação para a categoria de Melhor Atriz no Oscar, um dos maiores prêmios do cinema mundial. Caso isso aconteça, a atriz repetirá o feito de sua mãe, Fernanda Montenegro, que também está no filme e concorreu na premiação por seu trabalho em “Central do Brasil” (1998).

Ainda Estou Aqui se passa no Rio de Janeiro, no início dos anos 1970, quando o país enfrenta o endurecimento da ditadura militar. Estamos no centro de uma família, os Paiva: um pai, Rubens, uma mãe, Eunice, e os cinco filhos. Vivem na frente da praia, numa casa de portas abertas para os amigos. O afeto e o humor que compartilham entre si são suas formas sutis de resistência à opressão que paira sobre o Brasil. Um dia, eles sofrem um ato violento e arbitrário que vai mudar para sempre sua história. Eunice é obrigada a se reinventar e a traçar um novo destino para si e os filhos. Baseada no livro biográfico de Marcelo Rubens Paiva, a história emocionante dessa família ajudou a redefinir a história do país.

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Sol de Inverno (2024)

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Exibido nos festivais de Cannes, Toronto e San Sebastián

Sol de Inverno (Boku No Ohisama) chegou ao Brasil na Mostra de São Paulo com uma curiosidade extra para cinéfilos. O filme japonês dirigido e escrito com sensibilidade por Hiroshi Okuyama, que também assina a belíssima fotografia da produção, é o primeiro longa distribuído pela Michiko, distribuidora criada por Michel Simões e Chico Fireman, membros do saudoso podcast Cinema na Varanda, que muito aumentou meu conhecimento sobre diretores internacionais. O longa tem previsão de estreia para janeiro no Brasil.

O filme se passa em uma pequena ilha japonesa, onde a vida gira em torno das mudanças das estações. O inverno é época de hóquei no gelo na escola, mas Takuya não demonstra muita animação com isso. O verdadeiro interesse do garoto está em Sakura, uma estrela em ascensão da patinação artística de Tóquio, por quem ele desenvolve um fascínio genuíno. Arakawa, treinador e ex-campeão da modalidade, vê potencial em Takuya e decide orientá-lo para formar uma dupla com Sakura para uma competição que acontecerá em breve. Enquanto o inverno se prolonga, os sentimentos se aprofundam, e os dois jovens criam um vínculo harmonioso. Mas até mesmo a primeira neve acaba derretendo.

O paralelo entre o hóquei e a patinação traz um dos temas centrais: o que é esperado de meninos e meninas. A representação da masculinidade é um dos fatores centrais do longa, tanto na figura de Takuya, que transita do hóquei para a patinação, quanto na de Arakawa, que vive com seu namorado e não tem maiores questões em relação a sua sexualidade.

Enquanto esses personagens se aproximam, o espectador é apresentado, em várias cenas, aos personagens observando outras situações. Apesar dos acontecimentos serem centrais, o foco é nos olhares desses protagonistas para o que está ocorrendo, destacando a sensibilidade e reações de cada um de maneira muito íntima, já que na maior parte dessas “observações” eles se encontram sozinhos.

O rinque, quando utilizado para a patinação artística, é apresentado como um lugar mágico. A luz do dia do lado de fora é mostrada de forma estourada nas janelas. Não é possível ver o exterior desse lugar, porque enquanto os personagens patinam, nada do que está fora dali realmente importa.

Os momentos de dança, aliás, são filmados com delicadeza e acompanham os movimentos dos artistas sem cortes. Eles saltam e deslizam em velocidade alta de forma muito natural. E momentos como esses são embalados de forma muito emocionante pela tocante canção Clair De Lune, de Claude Debussy. Vale também destacar o cuidado com que a relação entre professor e alunos é mostrada, pois esse ponto poderia facilmente ser abordado de forma problemática.

Quando esses personagens se aproximam e praticam juntos, as cenas de observação alheia terminam e o espectador se torna o observador. Agora os protagonistas estão juntos. E apesar da trama se desenvolver lentamente até essa união principal, os momentos finais dão lugar a conflitos e resoluções de maneira apressada.

Como se tivessem vivido um “amor de inverno”, a estação vai mudando, a neve vai embora e as cores do filme se tornam mais quentes. Os três protagonistas, então, tomam atitudes e se transformam junto com o clima em um desfecho quase agridoce, mas que não deixa de espantar por conta da forma repentina que acontece. As mudanças são justificadas, mas parecem pouco trabalhadas em um roteiro que era tão profundo em relação aos sentimentos de seus protagonistas na maior parte do tempo.

Takuya, Sakura e Arakawa não são mais os mesmos e, apesar dessa mudança tão rápida quanto o derretimento da neve no fim do longe, Sol de Inverno tem sua força concretizada na sensibilidade com que aprofunda a relação dos três e a paixão que eles compartilham pela patinação artística e o momento muito único que viveram juntos.

NOTA: 3,5/5

Malu (2024)

Vencedor do Prêmio Paradiso na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Exibido no Festival de Sundance

A estreia na direção de longa-metragem do diretor Pedro Freire pode causar estranheza em um primeiro momento. Com o passar dos minutos, especialmente em sua segunda metade, quando a situação de sua protagonista é revelada, o filme caminha para o tema de saúde mental. Confesso que minha reação inicial foi ter medo de como a questão seria abordada, mas a história ganha uma nova camada quando Pedro revela, no fim da projeção, que seu roteiro é inspirado na história de sua mãe, Malu Rocha.

Em Malu (2024), vencedor do Prêmio Paradiso na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a protagonista é uma mulher de meia-idade que teve um passado glorioso e agora está presa em um grande caos existencial. No embalo dos anos 90, a complexa relação com sua mãe conservadora e sua filha torna a crise ainda mais aguda, entre momentos de carinho e alegria entre as três. Uma mulher em busca de si mesma.

Para explicar essa relação familiar, primeiro Malu (Yara de Novaes) é apresentada como filha, em um conflito que estabelece bem as diferenças ideológicas entre a protagonista e sua progenitora Lili, interpretada por Juliana Carneiro da Cunha. Em seguida, conhecemos a Malu mãe, carinhosa e com muitas saudades de sua filha única, Joana (Carol Duarte).

As questões entre essas três gerações de mulheres com personalidades muito fortes destacam um subtexto que reflete a cultura, especialmente o teatro, nos dias de hoje. Joana e seus amigos escutam apaixonados as histórias do passado de Malu ao mesmo tempo que ouvem com admiração, mas sem realmente acreditar, os planos da mulher para construir um centro cultural popular que tem como base o terreno de sua casa.

Tibira, personagem que lindamente ganha vida nas mãos de Átila Bee, representa o artista e a cultura contemporâneos, que abre espaço para corpos que normalmente não eram associados a essa esfera, e que mesmo mais presentes, ainda enfrentam preconceito. Apesar das dificuldades, Tibira nunca deixa de essencialmente ser quem simplesmente é.

As três atrizes protagonistas conseguem explicitar tanto as diferenças quanto o carinho e afeto entre suas personagens. Suas conversas, abraços e reflexões são enquadrados de forma muito poética pelos olhos do diretor e roteirista. A cena de Joana e Malu deitadas na cama, assim como a da filha observando a mãe dançar, é de tirar o fôlego. As relações entre as três são complexas e, mesmo após discutirem com insultos pesados, dividem tarefas e se ajudam mutuamente em outras situações. E é nesse ponto que a temática que está mais na superfície do filme me atinge de maneira pessoal com um momento presente na vida de tanta gente: quando um filho passa a ter que cuidar da própria mãe. Até que ponto a responsabilidade de cuidar dos próprios pais deve respeitar a linha que talvez impeça o filho de seguir a própria vida do jeito que sempre sonhou? E isso se aplica tanto a Malu quanto a Joana, num cuidado e maestria de amarrar esse assunto no roteiro.

A sensação que tive, ao longo do filme, foi que essa história assume quase que um tom de fábula. Isso começa devagar, com uma discussão de Malu com sua filha numa noite em que a casa fica sem energia elétrica, e vai até símbolos mais fortes. O afastamento repentino de personagens e a deterioração dos sonhos e da casa de Malu, que parece ir ficando mais largada, com paredes no tijolo, sem pintura e móveis antigos. É como se a mente de Malu extrapolasse seu corpo e se materializasse no mundo físico ao seu redor.

O filme termina com um comentário social expositivo, porém direto, reflexo da relação entre todos os seus personagens ao longo de seus 100 minutos. A protagonista fala sobre as diferenças de gerações e de questionamentos sobre o futuro de uma forma mais explícita do que o roteiro tinha feito até então. Não prejudica, mas causa estranhamento. É uma boa decisão para a reflexão do público após a sessão: quais são as grandes diferenças entre essas gerações e como a sociedade é reflexo delas? Após reflexões em meio a devaneios, Malu pergunta para a própria filha, e também para o público, qual o destino da viagem que estão fazendo.

Continente (2024)

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Desde o início, o novo filme de Davi Pretto apresenta a pele de seus personagens. Bem de perto, em seus detalhes, sendo tocadas por outra pessoa. Esse fator ajuda bastante quando, em sua segunda metade, Continente assume seu legado como cinema de gênero brasileiro e apresenta uma cena de terror que exala tesão.

O novo filme do diretor de Rifle (2016) mostra o retorno de Amanda para sua casa, que volta acompanhada do namorado, depois de 15 anos no exterior. Eles chegam na enorme fazenda da família da jovem, localizada em um vilarejo isolado nas intermináveis planícies do sul do Brasil. Lá, Amanda encontra o pai em coma e uma tensão cada vez maior entre os trabalhadores da propriedade. A única médica das redondezas é Helô, uma mulher que renuncia a si mesma para tratar dos habitantes da cidadezinha. A iminente morte do fazendeiro coloca Amanda, Martin e Helô no centro de um perturbador acordo com a população da vila.

Os personagens são apresentados sem se contar muito sobre o passado da relação deles, descobrir aos poucos é um dos elementos que ajudam na criação de uma atmosfera bastante carregada e sombria: algo ruim sempre parece estar no ar.

O caráter expositivo do roteiro, entretanto, se torna um problema para acompanhar o longa em sua primeira metade. Os personagens reproduzem frases que remetem o tempo todo aos temas do filme, praticamente deixando o ‘sub’ do subtexto de lado Para falar de exploração do trabalho e escravisão moderna, os diálogos incluem falas como “vou mostrar para o povo que é possível viver de um jeito diferente” e “você não pode dizer o que é melhor para eles”, que desconectam o espectador da trama intrigante que o longa apresenta para sua mensagem central.

Um dos motivos que não deixa o filme cair no terror social fácil é o elenco. A quantidade de personagens não é pequena e os peões centrais dessa história estão em boas mãos, com destaque para as figuras centrais interpretadas brilhantemente por Olívia Torres e Ana Flavia Cavalcanti. Mesmo sem muita interação, as duas conseguem carregar o restante dos também bons colegas de trabalho em cenas bastante envolventes, embora alguns personagens secundários demonstrem maneirismos físicos típicos de personagens que estão afetados de alguma forma, com tremores nos ombros e tiques no pescoço.

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Mas todos esses elementos são deixados um pouco de lado quando o filme entra em sua segunda metade e mergulha de vez no horror. A cena do “acerto de contas” entre Amanda e a dos moradores da cidade oferece o que o público mais assíduo do gênero, como eu, estava esperando. Tudo funciona na cena e a mistura do horror com a tensão sexual presente nos personagens naquele momento são o ponto alto do filme, que ainda se desenrola para um desfecho também repleto de terror e sangue bem dosados com as reviravoltas que os momentos finais apresentam.

Acrescentar o ‘social’ em um filme de terror não é sinal de qualidade, como se o gênero fosse algo menor se não contasse com essa camada crítica. E ser expositivo demais pode ser um artifício para tentar dizer que ESSE filme de terror vale a pena, mais uma vez diminuindo o gênero.

Continente pode ser um marco na linguagem explícita do horror que o cinema brasileiro vem explorando. Por mais que sua narrativa e atmosfera sejam constantemente interrompidas para nos lembrar de que o filme tem uma crítica social por trás (que é, na verdade, bem evidente), os elementos de terror compensam, entregando até mesmo uma belíssima chuva de sangue pouco antes do mergulho na verdadeira natureza dos personagens de sua história.

NOTA: 4/5

ENTREVISTA: Conduzindo Seus Pássaros (2024)

Estreia mundial na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Uma das muitas graças dos festivais de cinema é o contato que você pode ter com filmes que dificilmente passariam pelo seu radar ou chegariam até você se não fosse justamente por conta do festival. E esse, felizmente, é o caso de Conduzindo Seus Pássaros (Tori wo michibiku / Leading Your Birds). E ainda tive a ótima oportunidade de conversar com Takeru Ozaki, diretor e roteirista do longa, antes da sessão. Confira a entrevista após a sinopse e, logo depois, meu texto sobre o filme.

Morando em Tóquio, o músico Seita passa por um bloqueio criativo e viaja para uma casa nas montanhas onde passou parte da infância em família. Em contato com a natureza, focado em seu trabalho e captando sons de diferentes origens, ele é surpreendido quando sua irmã, Azumi, uma jovem surda, aparece para também passar alguns dias na casa.

Desde o início, ainda em Tóquio, o design de som se mostra fundamental. O barulho da cidade, as conversas… Já há uma promessa da experiência imersiva que o longa proporciona, e aqui ressalto a honra de poder conferir essa produção em uma sala de cinema durante o festival.

Com a ida para a casa nas montanhas, o som das falas se torna ausente. O foco vai especialmente para a natureza, o vento nas árvores e, como prometido no título, o som dos pássaros. Tudo isso ilustrado por uma imensidão de paisagem verde. Com a chegada de Azumi, mais sons entram em cena enquanto os irmãos se comunicam pela linguagem de sinais.

Ela faz muito barulho e todos os sons são captados, ideia que se relaciona com o trabalho do próprio protagonista e de como ele lida com o que ouve ao seu redor. Sua irmã assopra a comida quente, suga o macarrão com a boca, ronca, arrasta folhas de papel em uma mesa. Tudo está presente e muito alto. O que a princípio irrita Seita, logo o ajuda a desbloquear sua mente e sua relação com a própria irmã.

Mais adiante, mesmo com a chegada de um novo personagem que traz de volta o som das vozes para o filme, o cuidado com o silêncio prevalece. O silêncio, aliás, se torna tão bem explorado quanto os sons e destaca ainda mais o ótimo trabalho de Takeru.

O fim remete ao começo, estabelecendo o ciclo criativo de Seita por completo e fazendo refletir até sobre os processos de artistas lidando com sua produtividade no trabalho. E é muito bonito ver como um filme do outro lado do mundo consegue comunicar tanta coisa ao derrubar a barreira da linguagem falada. Apesar de termos usado a fala, não tive como não associar os temas do longa com o próprio fato de ter entrevistado o diretor e roteirista. Duas pessoas falando línguas completamente diferentes se encontrando no inglês para falar de cinema. Ótima experiência.

Afogamento Seco (2024)

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Vencedor dos prêmios de melhor direção e melhor atuação para o elenco do filme no Festival de Locarno

Cercadas pela masculinidade sempre super destacada de seus maridos, as duas protagonistas femininas de Afogamento Seco (Sesės / Drowning Dry) tomam a dianteira de uma história que começa de um jeito focada em uma luta muito conectada à masculinidade. Em minha cena favorita do longa, as duas irmãs (palavra que aliás é o título original do longa do diretor lituano Laurynas Bareiša) dançam na varanda da casa de campo da família uma coreografia que elas parecem não fazer há séculos, mas ainda se lembram de forma desajeitada. E é essa conexão, brilhantemente trabalhada pelas atrizes Gelmine Glemzaite e Agnė Kaktaitė, que dispara os melhores momentos do filme que é uma das minhas maiores surpresas na Mostra de 2024.

Para comemorar o aniversário de Tomas e a vitória de Lukas em uma competição de artes marciais, as duas irmãs organizam uma celebração na casa de campo da família. A sensação iminente de que algo ruim acontecerá está presente desde o início e trabalha a expectativa do público com o que pode acontecer até mesmo depois que tal coisa ruim acontece.

As irmãs são desde cedo a estrutura deste grupo, que parece muito desconfortável e silencioso em sua convivência, como se vivessem numa dinâmica de rotina por comodismo e obrigação. As atividades dos homens são mostradas em silêncio: eles fumam charuto, aparecem seminus e vão atrás de sexo. As mulheres são mais responsáveis com as crianças e com as casas, conseguindo inclusive escapar para um momento de abstração entre amigas em que se mostram muito mais tranquilas do que em todo o restante do filme.

Depois da tragédia, continua cabendo a elas o dever de limpar o passado e seguir com a vida. Precisam vender a casa, lidar com separações e com o trauma que afeta as crianças. A cumplicidade entre as duas é tanta que conseguem rir de dificuldades enfrentadas e juntar forças para revisitar essa casa de campo que agora marca a história da família tragicamente.

Além do roteiro “brincar” com a expectativa do que está por vir, a direção de Laurynas também conduz bem o sentimento do espectador. Contemplamos cenas longas em que nada parece acontecer enquanto entendemos essa dinâmica familiar. Uma longa cena no lago é mostrada de longe, o que eleva ainda mais o nervosismo causado pela situação que ali acontece. E mesmo as cenas mais tensas são mostradas de forma distante. Um dos incidentes apresentados é observado por ângulos incomuns, como de uma janela da ambulância que se aproxima para auxiliar no socorro das pessoas envolvidas. Escolhas que deixam o clima ainda mais angustiante.

Ao voltar mais uma vez para o acidente que transforma essa família, Afogamento Seco também reflete sobre a memória do que guardamos, especialmente de momentos tão marcantes, e de como podemos alterar até as situações que parecem mais corriqueiras nessas lembranças. Quando meu momento favorito retorna, a da dança citada no começo do texto é mostrada novamente, dessa vez com uma outra música, agora uma mais conhecida, diferente da primeira, mas a sensação de conexão das irmãs presentes ali é igual.

NOTA: 4,5/5

Basileia (2024)

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Exibido na Jornada dos Autores do Festival de Veneza

Na tentativa de selecionar filmes de terror durante a Mostra, minha primeira escolha infelizmente não foi um sucesso.

A diretora e roteirista italiana Isabella Torre apresenta Basileia, longa que conta a história de um arqueólogo que explora uma tumba nas montanhas Aspromonte, no sul da Itália, e acidentalmente desperta forças ancestrais.

A premissa não é original, mas ganha pontos com foco feminino. Os personagens que precisam lidar diretamente com a força despertada são homens enfrentando essas figuras de ninfas que andam nuas pela floresta e pela cidade com um olhar frio e desinteressado pelo que está em seu caminho.

Nessa criação de atmosfera, com a luz fria e muito silêncio, o filme começa a criar identidade. As falas utilizadas poderiam não existir, indicando muito mais ações, comandos sinais de alerta do que qualquer explicação da história. A primeira fala, em uma boa sacada e só depois de alguns minutos de projeção, é de uma pessoa orando. Isso é bom, mas ao não abraçar a mitologia, Basileia se perde de forma pesada.

Em uma cena bastante desconfortável, o protagonista pergunta a um grupo de homens negros na rua se eles estão procurando por emprego, a fim de convencê-los a acompanhá-lo em sua exploração. Esse momento já indica a falta de cuidado em vários aspectos.

E esses problemas não ficam só na abordagem. Esteticamente, os seres femininos despertados são interpretados de forma caricata; as atrizes movem-se com tiques no pescoço e tremores nos ombros. Sempre que giram a cabeça, um efeito sonoro de vento sombrio é adicionado. Fica difícil se conectar.

Gosto muito de como apresentam a interação dos seres com a cidade e os últimos minutos apresentam ideias muito boas, apesar de mal exploradas. O último take é extremamente marcante positivamente. O problema é que para chegar lá, se encara um filme lento e sem acontecimentos, no pior dos sentidos. 

NOTA: 1,5/5