48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Vencedor dos prêmios de melhor direção e melhor atuação para o elenco do filme no Festival de Locarno
Cercadas pela masculinidade sempre super destacada de seus maridos, as duas protagonistas femininas de Afogamento Seco (Sesės / Drowning Dry) tomam a dianteira de uma história que começa de um jeito focada em uma luta muito conectada à masculinidade. Em minha cena favorita do longa, as duas irmãs (palavra que aliás é o título original do longa do diretor lituano Laurynas Bareiša) dançam na varanda da casa de campo da família uma coreografia que elas parecem não fazer há séculos, mas ainda se lembram de forma desajeitada. E é essa conexão, brilhantemente trabalhada pelas atrizes Gelmine Glemzaite e Agnė Kaktaitė, que dispara os melhores momentos do filme que é uma das minhas maiores surpresas na Mostra de 2024.
Para comemorar o aniversário de Tomas e a vitória de Lukas em uma competição de artes marciais, as duas irmãs organizam uma celebração na casa de campo da família. A sensação iminente de que algo ruim acontecerá está presente desde o início e trabalha a expectativa do público com o que pode acontecer até mesmo depois que tal coisa ruim acontece.
As irmãs são desde cedo a estrutura deste grupo, que parece muito desconfortável e silencioso em sua convivência, como se vivessem numa dinâmica de rotina por comodismo e obrigação. As atividades dos homens são mostradas em silêncio: eles fumam charuto, aparecem seminus e vão atrás de sexo. As mulheres são mais responsáveis com as crianças e com as casas, conseguindo inclusive escapar para um momento de abstração entre amigas em que se mostram muito mais tranquilas do que em todo o restante do filme.

Depois da tragédia, continua cabendo a elas o dever de limpar o passado e seguir com a vida. Precisam vender a casa, lidar com separações e com o trauma que afeta as crianças. A cumplicidade entre as duas é tanta que conseguem rir de dificuldades enfrentadas e juntar forças para revisitar essa casa de campo que agora marca a história da família tragicamente.
Além do roteiro “brincar” com a expectativa do que está por vir, a direção de Laurynas também conduz bem o sentimento do espectador. Contemplamos cenas longas em que nada parece acontecer enquanto entendemos essa dinâmica familiar. Uma longa cena no lago é mostrada de longe, o que eleva ainda mais o nervosismo causado pela situação que ali acontece. E mesmo as cenas mais tensas são mostradas de forma distante. Um dos incidentes apresentados é observado por ângulos incomuns, como de uma janela da ambulância que se aproxima para auxiliar no socorro das pessoas envolvidas. Escolhas que deixam o clima ainda mais angustiante.

Ao voltar mais uma vez para o acidente que transforma essa família, Afogamento Seco também reflete sobre a memória do que guardamos, especialmente de momentos tão marcantes, e de como podemos alterar até as situações que parecem mais corriqueiras nessas lembranças. Quando meu momento favorito retorna, a da dança citada no começo do texto é mostrada novamente, dessa vez com uma outra música, agora uma mais conhecida, diferente da primeira, mas a sensação de conexão das irmãs presentes ali é igual.
NOTA: 4,5/5