Vencedor do Prêmio Paradiso na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Exibido no Festival de Sundance
A estreia na direção de longa-metragem do diretor Pedro Freire pode causar estranheza em um primeiro momento. Com o passar dos minutos, especialmente em sua segunda metade, quando a situação de sua protagonista é revelada, o filme caminha para o tema de saúde mental. Confesso que minha reação inicial foi ter medo de como a questão seria abordada, mas a história ganha uma nova camada quando Pedro revela, no fim da projeção, que seu roteiro é inspirado na história de sua mãe, Malu Rocha.
Em Malu (2024), vencedor do Prêmio Paradiso na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a protagonista é uma mulher de meia-idade que teve um passado glorioso e agora está presa em um grande caos existencial. No embalo dos anos 90, a complexa relação com sua mãe conservadora e sua filha torna a crise ainda mais aguda, entre momentos de carinho e alegria entre as três. Uma mulher em busca de si mesma.
Para explicar essa relação familiar, primeiro Malu (Yara de Novaes) é apresentada como filha, em um conflito que estabelece bem as diferenças ideológicas entre a protagonista e sua progenitora Lili, interpretada por Juliana Carneiro da Cunha. Em seguida, conhecemos a Malu mãe, carinhosa e com muitas saudades de sua filha única, Joana (Carol Duarte).

As questões entre essas três gerações de mulheres com personalidades muito fortes destacam um subtexto que reflete a cultura, especialmente o teatro, nos dias de hoje. Joana e seus amigos escutam apaixonados as histórias do passado de Malu ao mesmo tempo que ouvem com admiração, mas sem realmente acreditar, os planos da mulher para construir um centro cultural popular que tem como base o terreno de sua casa.
Tibira, personagem que lindamente ganha vida nas mãos de Átila Bee, representa o artista e a cultura contemporâneos, que abre espaço para corpos que normalmente não eram associados a essa esfera, e que mesmo mais presentes, ainda enfrentam preconceito. Apesar das dificuldades, Tibira nunca deixa de essencialmente ser quem simplesmente é.

As três atrizes protagonistas conseguem explicitar tanto as diferenças quanto o carinho e afeto entre suas personagens. Suas conversas, abraços e reflexões são enquadrados de forma muito poética pelos olhos do diretor e roteirista. A cena de Joana e Malu deitadas na cama, assim como a da filha observando a mãe dançar, é de tirar o fôlego. As relações entre as três são complexas e, mesmo após discutirem com insultos pesados, dividem tarefas e se ajudam mutuamente em outras situações. E é nesse ponto que a temática que está mais na superfície do filme me atinge de maneira pessoal com um momento presente na vida de tanta gente: quando um filho passa a ter que cuidar da própria mãe. Até que ponto a responsabilidade de cuidar dos próprios pais deve respeitar a linha que talvez impeça o filho de seguir a própria vida do jeito que sempre sonhou? E isso se aplica tanto a Malu quanto a Joana, num cuidado e maestria de amarrar esse assunto no roteiro.

A sensação que tive, ao longo do filme, foi que essa história assume quase que um tom de fábula. Isso começa devagar, com uma discussão de Malu com sua filha numa noite em que a casa fica sem energia elétrica, e vai até símbolos mais fortes. O afastamento repentino de personagens e a deterioração dos sonhos e da casa de Malu, que parece ir ficando mais largada, com paredes no tijolo, sem pintura e móveis antigos. É como se a mente de Malu extrapolasse seu corpo e se materializasse no mundo físico ao seu redor.
O filme termina com um comentário social expositivo, porém direto, reflexo da relação entre todos os seus personagens ao longo de seus 100 minutos. A protagonista fala sobre as diferenças de gerações e de questionamentos sobre o futuro de uma forma mais explícita do que o roteiro tinha feito até então. Não prejudica, mas causa estranhamento. É uma boa decisão para a reflexão do público após a sessão: quais são as grandes diferenças entre essas gerações e como a sociedade é reflexo delas? Após reflexões em meio a devaneios, Malu pergunta para a própria filha, e também para o público, qual o destino da viagem que estão fazendo.