Atena (2023)

Impossível não associar a protagonista de Atena, vivida por Mel Lisboa no longa que acabou de chegar aos cinemas nacionais, à Lisbeth Salander, da série de filmes inspirada na saga literária de Stieg Larsson. No longa brasileiro dirigido por Caco Souza e escrito por Enrico Peccin, a personagem principal faz justiça com as próprias mãos, motivada por violências que sofreu no passado. Parece um exemplo básico da cartilha de como não construir personagens femininas, mas o filme não para por aí.

Escrito e dirigido por homens, o longa erra na abordagem da violência contra mulheres. Duas cenas envolvendo esse tipo de agressão são apresentadas de maneira brutal já nos primeiros 30 minutos. Logo após uma delas, vemos a protagonista em um momento reflexivo no banheiro, vestindo uma regata branca e calcinha, em um enquadramento que destoa do tom de denúncia.

Atena funciona como uma grande campanha informativa sobre violência contra a mulher. O que, em certa medida, é positivo, já que parece ser essa a intenção. Mas, em muitas outras, o filme soa apenas como um apanhado das falas mais conhecidas sobre o tema. Uma personagem relata ter acreditado que o namorado mudaria após um pedido de desculpas por uma agressão; logo depois, outro diálogo entra em uma nova pauta importante, abordando uma longa história de pedofilia. A falta de sutileza no tratamento desses temas enfraquece um roteiro que parece querer, de algum modo, dar conta da complexidade dessas experiências.

Mel Lisboa se entrega bem ao papel e alguns momentos do roteiro funcionam bem, como quando tenta marcar as violências cotidianas vividas por mulheres. Em uma cena, a protagonista finge interesse por uma academia e é assediada de alguma forma desde sua chegada até a saída. Em meio a tantos outros problemas, fico me perguntando se esse momento realmente causou intencionalmente esse incômodo.

Ao atrelar a violência grave apenas aos personagens mais abertamente perversos, o filme comete seu erro mais grave: anula o potencial de violência de outros homens, como se esse tipo de maldade estivesse distante do cotidiano, e não fosse parte de algo que atinge mulheres todos os dias.

Uma Advogada Brilhante (2025)

Juro que entrei na sessão de Uma Advogada Brilhante, novo filme de Ale McHaddo, estrelado por Leandro Hassum, com um pouco de boa fé para uma história que não entregasse o que praticamente promete num pôster e num trailer problemático. O longa chegou aos cinemas brasileiros no último dia 6 de março e talvez eu tenha cometido um erro ao entrar na sala de cinema com o mínimo de positividade para o que estava por vir.

No filme, Dr. Michelle, um advogado recém-divorciado, decide se disfarçar como mulher para não perder seu emprego durante uma reestruturação e conseguir a guarda de seu filho. Porém, viver como Dra. Michele se revela mais desafiador do que esperado.

Mas não vou me culpar, mudei meu pensamento positivo de forma rápida. Logo no começo do filme, Danilo Gentili interpretando um personagem chamado Daniel Gentil já foi sinal vermelho suficiente. A partir daí, a sucessão de piadas questionáveis (para dizer o mínimo) é crescente.

O humor tenta surgir de trocadilhos com o nome de Pabllo Vittar, do supostamente hilário nome “Mamma Minha” para uma pizzaria italiana, de associações maldosas com cemitério indígena e até da ideia de que alguém pesa muito por comer muita pizza. Juro que o nome “Power Guido” é citado. E há ainda piadas com berinjela e com uma linguiça cortada na cozinha do restaurante. Essas duas últimas, aliás, conversam com uma questão crucial da história do longa.

Com a trama centrada em um personagem homem cis que passa a se vestir e portar como é esperado socialmente de uma mulher, a chance de se esbarrar em transfobia é imensa. Piadas usando “nome morto” (termo que se refere ao nome que uma pessoa trans usava antes da transição) e tirando sarro de pronome neutro são feitas sem pensar duas vezes. Para “amenizar” essas situações ou se defender antecipadamente, o longa ainda usa uma personagem trans como irmã do protagonista o reprimindo em alguns momentos. Poderia ser um ponto positivo caso não parecesse estar lá apenas para dar o aval do roteiro fazer piadas com um homem vestido de mulher. Em 2025.

Michelle prova roupas femininas ao som de As Frenéticas cantando “eu sei que eu sou bonita e gostosa”, numa tentativa preguiçosa e problemática de arrancar risadas. Há uma tentativa de crítica. O personagem de Hassum passa a aprender as dificuldades de ser uma mulher ao se passar por uma, mas a crítica fica rapidamente datada quando um dos maiores problemas que ele enfrenta é ser interrompido por outros homens. Tudo é muito raso, e as piadas, que muitas vezes parecem atacar qualquer tentativa de crítica social, acabam diminuindo qualquer discussão ou pauta séria.

Além disso, o roteiro assinado pela própria Ale McHaddo, por Luiz Felipe Mazzoni e Cristiane Wersom, não se segura no sentido de estrutura e verossimilhança. O julgamento de guarda de uma criança é feito nos moldes de um tribunal americano, um romance aparece no meio do filme levando a mais piadas comprometedoras envolvendo Michelle se interessando por outra mulher enquanto está vestido de mulher e outros personagens mudam de comportamento sem qualquer justificativa. A trama principal se encerra antes da meia hora final do filme, quando a história se torna outra.

Obviamente, todos os erros do protagonista e de seus colegas são justificados em prol de manter uma família unida. E se a ideia é referenciar e/ou homenagear clássicos da Sessão da Tarde como Uma Babá Quase Perfeita ou Tootsie, vale lembrar que esses filmes foram lançados há mais de 30 anos.

NOTA: 0,5/5