Rosemead (2025)

49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Vencedor do prêmio do público no Festival de Locarno. Também foi exibido no Festival de Tribeca.

Desgraça pouca é bobagem. E entrar na sessão de Rosemead sem saber exatamente do que o filme se trata pode piorar ainda mais a sensação que essa expressão popular retrata. O letreiro de “inspirado em fatos reais” e a cena de abertura com um pai, uma mãe e um filho – uma família sino-americana – dançando felizes enquanto cantam no karaokê em um quarto de hotel dão um tom misterioso para o que está por vir. O tom, aliás, ou a dificuldade de encontrar um, é um dos grandes problemas do longa estrelado por Lucy Liu.

Em poucos minutos, descobrimos que Irene, a protagonista, está com um câncer em estágio terminal, tem poucos meses de vida. Ela esconde a doença do filho, que sofre de esquizofrenia e desenvolve um fascínio por notícias de atiradores em escolas dos Estados Unidos. Os dois ainda vivem o luto pela recente perda do marido/pai. Eu nem acho um absurdo que todas essas tragédias aconteçam em tão pouco tempo com a família, mas a falta de tato do roteiro e da direção dá adeus a qualquer sutileza e cuidado que o filme poderia ter ao tratar de tais temas.

O diretor Eric Lane começa seu longa como um drama denso, mas pesa ainda mais a mão nos momentos mais tensos. O tom vai de um melodrama para um thriller familiar rapidamente e depois volta. Essa bagunça faz com que momentos com bom potencial sejam desperdiçados, como o treinamento escolar para o caso de um atirador entrar no colégio.

É interessante ver Lucy Liu desmontada como essa mãe taiwanesa, mas isso não quer dizer que ela esteja bem. A atuação exagerada é ofuscada por todos os outros pontos negativos do filme. Que sorte a dela.

O retrato de descendentes de asiáticos nos Estados Unidos se torna o ponto mais interessante do longa, ainda que pouco aproveitado. A diferença entre o tratamento dos adultos entre si e o dos colegas de escola do filho de Irene mostra a complexidade dessas pessoas isoladas por preconceitos, mas que também possuem conflitos entre si, ou pontos de apoio, no caso dos mais jovens.

A “demora” da protagonista para agir diante das descobertas pode causar desconforto. Acho muito humana a vontade de querer dar conta de tudo por conta própria. Uma visão talvez preconceituosa pode relacionar esse fator à questão cultural asiática, frequentemente apontada como mais reservada. Mesmo assim, o roteiro também não é eficaz em nos deixar ao lado dessa mulher que tenta, a todo custo, resolver sozinha todos os dilemas de sua vida.

A questão psiquiátrica do personagem do filho, Joe, também é abordada de forma rasa, sendo resumida em boa parte aos remédios que ele toma e às suas mudanças quase imediatas de comportamento assim que interrompe o tratamento. Isso se soma com a atuação exagerada de Lawrence Shou, que cai em estereótipos de personagens do tipo. Juro que existe uma cena de Joe sujo, revirando lixo e completamente fora de si.

Com um roteiro que seria completamente ressignificado nas mãos de um diretor como John Waters (eu adoraria ver esse filme!), Rosemead cai no mau gosto e na caricatura, mesmo se baseando em uma história real tão forte e com um desfecho tão impactante. Uma pena.

Sing Sing (2023)

Sing Sing chega aos cinemas nacionais com três indicações ao Oscar e protagonismo forte de Colman Domingo, que inclusive concorre ao prêmio pelo papel.

No filme, Divine G, preso em Sing Sing por um crime que não cometeu, encontra um propósito ao atuar em um grupo de teatro ao lado de outros homens encarcerados nesta história de resiliência, humanidade e o poder transformador da arte. A história é inspirada em um projeto real mantido pela penitenciária de Sing Sing na vida real.

Lembra aqueles filmes dramáticos dos anos 2000 que as mães adoram! Vai dar uma chance? O que acha desse tipo de narrativa?

Confira a crítica em vídeo:

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Malu (2024)

Vencedor do Prêmio Paradiso na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Exibido no Festival de Sundance

A estreia na direção de longa-metragem do diretor Pedro Freire pode causar estranheza em um primeiro momento. Com o passar dos minutos, especialmente em sua segunda metade, quando a situação de sua protagonista é revelada, o filme caminha para o tema de saúde mental. Confesso que minha reação inicial foi ter medo de como a questão seria abordada, mas a história ganha uma nova camada quando Pedro revela, no fim da projeção, que seu roteiro é inspirado na história de sua mãe, Malu Rocha.

Em Malu (2024), vencedor do Prêmio Paradiso na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a protagonista é uma mulher de meia-idade que teve um passado glorioso e agora está presa em um grande caos existencial. No embalo dos anos 90, a complexa relação com sua mãe conservadora e sua filha torna a crise ainda mais aguda, entre momentos de carinho e alegria entre as três. Uma mulher em busca de si mesma.

Para explicar essa relação familiar, primeiro Malu (Yara de Novaes) é apresentada como filha, em um conflito que estabelece bem as diferenças ideológicas entre a protagonista e sua progenitora Lili, interpretada por Juliana Carneiro da Cunha. Em seguida, conhecemos a Malu mãe, carinhosa e com muitas saudades de sua filha única, Joana (Carol Duarte).

As questões entre essas três gerações de mulheres com personalidades muito fortes destacam um subtexto que reflete a cultura, especialmente o teatro, nos dias de hoje. Joana e seus amigos escutam apaixonados as histórias do passado de Malu ao mesmo tempo que ouvem com admiração, mas sem realmente acreditar, os planos da mulher para construir um centro cultural popular que tem como base o terreno de sua casa.

Tibira, personagem que lindamente ganha vida nas mãos de Átila Bee, representa o artista e a cultura contemporâneos, que abre espaço para corpos que normalmente não eram associados a essa esfera, e que mesmo mais presentes, ainda enfrentam preconceito. Apesar das dificuldades, Tibira nunca deixa de essencialmente ser quem simplesmente é.

As três atrizes protagonistas conseguem explicitar tanto as diferenças quanto o carinho e afeto entre suas personagens. Suas conversas, abraços e reflexões são enquadrados de forma muito poética pelos olhos do diretor e roteirista. A cena de Joana e Malu deitadas na cama, assim como a da filha observando a mãe dançar, é de tirar o fôlego. As relações entre as três são complexas e, mesmo após discutirem com insultos pesados, dividem tarefas e se ajudam mutuamente em outras situações. E é nesse ponto que a temática que está mais na superfície do filme me atinge de maneira pessoal com um momento presente na vida de tanta gente: quando um filho passa a ter que cuidar da própria mãe. Até que ponto a responsabilidade de cuidar dos próprios pais deve respeitar a linha que talvez impeça o filho de seguir a própria vida do jeito que sempre sonhou? E isso se aplica tanto a Malu quanto a Joana, num cuidado e maestria de amarrar esse assunto no roteiro.

A sensação que tive, ao longo do filme, foi que essa história assume quase que um tom de fábula. Isso começa devagar, com uma discussão de Malu com sua filha numa noite em que a casa fica sem energia elétrica, e vai até símbolos mais fortes. O afastamento repentino de personagens e a deterioração dos sonhos e da casa de Malu, que parece ir ficando mais largada, com paredes no tijolo, sem pintura e móveis antigos. É como se a mente de Malu extrapolasse seu corpo e se materializasse no mundo físico ao seu redor.

O filme termina com um comentário social expositivo, porém direto, reflexo da relação entre todos os seus personagens ao longo de seus 100 minutos. A protagonista fala sobre as diferenças de gerações e de questionamentos sobre o futuro de uma forma mais explícita do que o roteiro tinha feito até então. Não prejudica, mas causa estranhamento. É uma boa decisão para a reflexão do público após a sessão: quais são as grandes diferenças entre essas gerações e como a sociedade é reflexo delas? Após reflexões em meio a devaneios, Malu pergunta para a própria filha, e também para o público, qual o destino da viagem que estão fazendo.

Julie Permanece em Silêncio (2024)

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Vencedor do prêmio SACD da Semana da Crítica do Festival de Cannes

Julie é a principal jogadora de uma academia de tênis profissional. Quando o seu treinador se torna alvo de uma investigação e é repentinamente suspenso após o suicídio de outra atleta, todos do clube são incentivados a testemunhar. Mas Julie decide ficar em silêncio. O longa dirigido por Leonardo van Dijl e co-escrito por ele ao lado de Ruth Becquart, Julie Permanece em Silêncio (Julie zwijgt / Julie Keeps Quiet) aprofunda sua protagonista enquanto não nos deixa mergulhar completamente em sua mente. Cabe a nós, como audiência, julgar o comportamento dessa reflexiva protagonista?

A rotina da protagonista é acompanhada com certa frieza, o que ajuda no distanciamento, mas também faz com que o ritmo do filme não mude muito. Também é parte da proposta, mas pode deixar a impressão de que está acontecendo menos coisa do que está sendo vista.

A solidão de Julie é reforçada por escolhas espertas da direção, por mais que possam soar óbvias. Tudo é muito silencioso e as sombras estão muito presentes, mas Julie está sempre em foco, literalmente. Em alguns momentos, não é possível nem identificar os rostos de quem a cerca, por mais que essas pessoas falem enquanto ela apenas escuta e observa. Ela também é vista completamente isolada, mesmo quando praticando com outra pessoa ou em grupo.

A presença dos homens ao redor da protagonista, especialmente, fica muito marcada com os elementos mencionados. São os personagens com os rostos menos mostrados, aliás. Julie conversa com uma amiga enquanto um treinador aparece para ver o que está acontecendo, ele fica separado delas pela rede de proteção da quadra de tênis. Quando Julie vai para a fisioterapia, por exemplo, é um homem que toca seu corpo e direciona seus exercícios. É impossível, até nesses momentos, que ela deixe de pensar nos assuntos que agora rondam sua vida.

O peso da narrativa também foca na contradição dos momentos solitários de Julie com seus momentos em grupo com outros atletas tão jovens, e inocentes em certo sentido, precisando lidar com essa situação tão difícil. Em algumas cenas, Julie deita, reflexiva, em posição fetal ou corre sozinha na rua escura. Em outras, vemos o grupo reunido tirando fotos, fazendo careta e dando o dedo do meio para a câmera.

Respondendo à pergunta do início, por mais que a gente a acompanhe o tempo inteiro, o filme deixa claro que a decisão da vítima em casos como esse precisa ser respeitada ao mesmo tempo que ressalta o apoio que essas pessoas precisam receber. Sem didatismo e com um ritmo em que pouca coisa parece acontecer, Julie Permanece em Silêncio reflete de forma cuidadosa um tema bastante discudido nos dias de hoje.

NOTA: 4/5