É Apenas Um Adeus (2024)

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Exibido na seção ACID do Festival de Cannes

É um tema universal a ideia de que o mundo escolar parece contemplar toda a nossa noção de mundo enquanto vivemos aquele momento. Não sabemos o que vai acontecer depois, mas ao mesmo tempo nos são prometidas todas as possibilidades na entrada da fase adulta, por mais que também ainda sejamos muito novos para decidir, por exemplo, o que queremos fazer da vida.

No documentário É Apenas Um Adeus (So Long), o diretor francês Guillaume Brac explora um grupo de amigos em seus últimos dias de colegial. Os pontos citados são abordados de forma precisa, mas ao mesmo tempo um cenário muito específico é apresentado: todos os personagens mostrados são brancos e a escola é uma espécie de internato, onde os alunos também convivem nos quartos compartilhados e fazem juntos atividades para além da escola.

O filme consegue destacar de forma precisa algumas dualidades desse momento da vida deles ao mostrar discussões sociais, estudos e debates em comparação a brincadeiras de teor infantil, com os alunos correndo para se atirar em cima de colchões que deslizam pelos corredores dos dormitórios.

A direção de Guillaume mostra várias interações longas para evidenciar a proximidade daqueles alunos e aumentar o entendimento de que o afastamento realmente será difícil para todos eles, mas algumas trocas de afeto estão com a câmera tão próxima que parecem montadas de um jeito forçado para render esses belos momentos.

Apesar de retratar com delicadeza os sentimentos tão presentes na história daquelas pessoas, alguns pontos não passam despercebidos para espectadores mais atentos a questões sociais: não há um recorte de sexualidade e gênero no sentido de pessoas LGBT+, que vivem o momento de colégio de uma forma bem específica e podada de muitas situações consideradas comuns, como o “primeiro amor”; e em determinada cena, colegas tiram sarro de um aluno (branco) enquanto desfazem seus dreadlocks, perguntam se há animais escondidos ali, que parece velcro e que está sujo.

A sinopse do documentário traz uma pergunta que parece boba em sua abertura: amizades do colégio podem durar uma vida inteira? Para o espectador (e para mim foi assim quando li a sinopse pela primeira vez) pode soar como um dilema vazio de quem ainda não enfrentou muita coisa na vida, mas uma escolha de abordagem muda tudo. O forte da produção está nas personagens femininas, que são as únicas que dão seus depoimentos. E é muito impactante observar que, para além da dificuldade comum do momento que vivem, todas elas também possuem uma camada extra para a situação, tendo dificuldade de se relacionar com suas famílias e realmente mergulhando na dúvida que está presente na própria sinopse do documentário.

É Apenas Um Adeus está na programação oficial da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

NOTA: 3/5

Sujo (2024)

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Vencedor do grande prêmio do júri no Festival de Sundance

A pobreza romantizada é uma representação comum no cinema, infelizmente. No caso de Sujo (2014), dirigido por Astrid Rondero e Fernanda Valadez, explora os personagens no escuro, sempre em ambientes vazios. A natureza ao redor deles é devastada e árvores de galhos secos os cercam por todos os lados e estão presentes em cena a todo tempo. Mesmo na tomada que mostra um belo céu estrelado, esses galhos funcionam como uma moldura na tela.

O longa mexicano acompanha a história de Sujo da infância até a adolescência. Aos 4 anos de idade, ele perde o pai, membro de um cartel que é assassinado. A partir daí, o protagonista passa a ser protegido por suas tias até o fim da adolescência, quando parte para a cidade grande, fugindo do passado “perigoso” e em busca de um emprego e oportunidade de estudar.

A história fica dividida em três partes. Nas duas primeiras, em que Sujo ainda está em Terra Caliente, no estado de Michoacán, o destaque fica para a importância dada para as personagens femininas, todas interpretadas por ótimas atrizes. O rosto dos homens nunca é inteiramente mostrado, nem mesmo o do pai da criança. As mulheres tomam conta da história enquanto protegem os pequenos do mundo do crime e suas ações são sempre destacadas, mesmo quando, em cena, o que temos no centro é o que as crianças estão fazendo no momento.

A direção dessas duas primeiras partes é cuidadosa, a fotografia é usada em favor da narrativa, deixando os personagens no escuro no dia-a-dia e em devaneios durante a noite. É bonito de se ver, mas todas essas decisões, entretanto, são feitas de modo a ressaltar a miséria e a solidão dessas pessoas em um mundo do qual não se parece poder fugir. Sujo, já adolescente, conserta o carro do pai, mesmo carro em que na infância ficou preso por horas. E a partir daí, parece aceitar um destino ingrato, começando a se envolver com o cartel com amigos da mesma idade. Nada é sutil.

Na terceira parte, essa direção assume um tom mais tradicional, abandonando os elementos marcantes das duas primeiras. Um tom professoral entra em cena, idealizando ainda mais a realidade difícil de onde vêm pessoas marginalizadas. A dificuldade de abandonar o passado continua sendo tema central. A visita de um amigo do passado abala a nova vida de Sujo e uma professora, na qual o protagonista reflete a falta de uma presença maternal, mesmo sofrendo nas mãos do jovem, que não sabe o que faz, continua o ajudando e apostando nele.

A cobrança de masculinidade quando mais velho é um caminho pouco explorado, apenas com outros homens que o provocam quando ele passa, mais de uma vez, ao lado de um grupo que treina luta em uma arena na rua. Talvez esse novo recorte acrescentasse uma camada a mais num filme de representações tão problemáticas. Em uma das cenas que mais marcam essa romantização da pobreza de forma velada na cidade grande, a professora fala sobre Sujo para outra pessoa: “Ele não sabe, mas é bem especial”. Visto por americanos progressistas banhados por essa fetichização da miséria, é possível entender o que levou Sujo a levar o grande prêmio do júri no Festival de Sundance.

Sujo está na programação oficial da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

NOTA: 2,5/5

Anora (2024)

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes

Ao som de Greatest Day, do Take That, o aguardado novo filme de Sean Baker (Tangerine (2015), Projeto Flórida (2017)) abre e encerra o conto de fadas que é contado do início ao fim em sua primeira meia hora. Ani, interpretada pela excelente Mikey Madison, trabalha como dançarina em uma luxuosa boate de Nova York e oferece serviços extras para alguns de seus clientes. É numa dessas que ela se envolve com Ivan (Mark Eidelstein), filho de um oligarca russo, com vinte e poucos anos e que não tem camada alguma a não ser a de curtir a vida intensamente. Ele está sempre feliz, e isso é o próprio quem diz. Os dois se casam em Las Vegas impulsivamente e se beijam na sacada da luxuosa mansão em que o jovem mora. E é aí que o conto de fadas acaba. Ao descobrirem com quem Ivan está casado, os pais do rapaz embarcam para os Estados Unidos e, enquanto não chegam, seus funcionários brutos precisam conter o casal e anular o casamento.

Sem perder tempo para apresentar seus personagens, apesar da longuíssima introdução para a história, Anora se segura especialmente no humor e na ação para manter o bom ritmo em seus 139 minutos de duração. O filme é destaque na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e levou a Palma de Ouro em Cannes deste ano. E apesar de começar, e até ser vendido de certa forma, com ares de comédia romântica, a maior parte do filme é focada na relação de Ani com os funcionários dos pais de Ivan, que fugiu pelas ruas de Nova York em um ato de desespero.

A relação de Anora com Ivan não é exatamente clara para além da superficialidade que eles tiram dela. Sabemos que a protagonista almeja mudar de vida e também ter alguma vantagem com o casamento, mas sua insistência na procura por Ivan e na defesa de seu marido (e ela insistentemente pontua esse status do relacionamento) abre margem para um possível sentimento real que há ali, mas nada disso é comprovado, já que a conexão entre os dois é mostrada apenas pelo senso de humor que parecem ter em comum.

A citada longa sequência inicial, cheia de cortes, festas, sexo, viagens e diversão, dá lugar a uma longa cena em que Ani, depois de ser abandonada por Ivan, tenta se livrar dos capangas da família russa na sala da grandiosa mansão. A cena desperta risadas da plateia, mas, ao mesmo tempo em que de fato é engraçada, também gira muito a situação cômica em torno da violência que a personagem feminina está sofrendo nas mãos de três homens que tentam mantê-la presa a qualquer custo. É desconfortável. Para o espanto dos homens grandalhões que tentam controlá-la, ela reluta bastante e demora a ser convencida a também participar na busca pelo jovem rapaz.

A partir desse ponto, a protagonista se apaga. Há toda uma promessa de garra e ambição nos primeiros minutos que se perde nas ruas da cidade. O foco da história muda para a dinâmica da perseguição e a personagem não age muito além do que é esperado. O ponto mais interessante nesse momento é o que Sean Baker faz muito bem em seus filmes anteriores: mostrar as cidades de forma mais crua e suja. Obviamente há romantização dos lugares que vemos, mas pouco do deslumbre que costumamos observar em representações da Califórnia, Orlando e, nesse caso, Nova York é retratado em suas produções. Ainda pensando nas locações, o uso dos cenários e enquadramentos marcantes é essencial para o trabalho emotivo dos momentos em que a personagem, já mais perto do fim do longa, passa novamente por lugares importantes da história, como a mansão, a boate em que dançava e até mesmo as ruas pelas quais andava ao voltar para casa de manhã cedo, após uma noite trabalhando.

Anora, aliás, me remete muito a Tangerine, especialmente pelo caos nos diálogos, nas ruas e nas discussões cheias de xingamento, com uma pessoa falando por cima da outra. Há inclusive uma divertida e nojenta cena de vômito dentro de um carro que remete completamente ao filme de 2015 em uma espécie de autorreferência do diretor.

Apesar dessa exploração da cidade, o mundo ao redor não importa muito, e muitos elementos em volta do que é central em cena ficam desfocados. Os personagens também parecem deslocados nessa busca. Tanto Ani por estar em uma situação que nunca imaginou passar, quanto os capangas russos por estarem se aventurando nas ruas de Nova York. Essa diferença cultural, aliás, é ressaltada em diversas camadas. Os russos, que passam por dificuldades para questões burocráticas, como a anulação do casamento, não cedem ao tom de superioridade dos americanos, que parecem nunca entender a gravidade do que está acontecendo realmente, achando graça quando Ani aparece desesperada procurando por seu marido fugitivo. E também vale destacar o uso da língua russa por boa parte do longa. Obviamente os personagens falam bem mais inglês do que faria sentido em determinadas situações, mas o uso frequente de uma outra língua num filme de um país conhecido pelo público que não gosta de legendas é, no mínimo, interessante.

Mikey Madison é certamente um dos pontos altos do filme. A atriz, que fez uma boa participação em Pânico 5 (2022) e é uma das protagonistas de Better Things (2016), uma das minhas séries favoritas da vida, se joga na pele de Ani e é hipnotizante. Em entrevistas, a atriz fala bastante sobre a experiência de se preparar para o papel. A parte relacionada ao trabalho sexual não parece gratuita durante o filme, o problema fica especialmente na reta final. Além da já citada graça excessiva nas cenas de violência contra a personagem, quando ela volta a tomar as rédeas da história em seus minutos finais, alguns fatores soam problemáticos e o roteiro se percebe claramente escrito por um homem. Em um dos últimos diálogos, há uma delicada conversa sobre estupro que também arrancou risadas da plateia em uma abordagem fora do tom da situação. Não duvido de que uma mulher poderia estar respondendo daquela forma naquela situação, mas o momento poderia ser melhor trabalhado para evitar a interpretação dúbia.

No mesmo diálogo, Ani escuta de outro personagem a frase “eu gosto de Anora mais do que eu gosto de Ani”. E é uma pena que esse vislumbre de quem seria a pessoa por trás da persona Ani se perca na subjetividade dos personagens de um filme em que a protagonista é deixada de lado e mal explorada em boa parte do tempo.

NOTA: 3,5/5

Apartamento 7A (2024)

Nos últimos anos, tornou-se cada vez mais comum o retorno de grandes clássicos do cinema com sequências, remakes, reboots e prequels. Acredito que a maioria esmagadora desses filmes apresenta uma qualidade duvidosa, mas não posso negar que boas surpresas se destacaram nessa leva. De qualquer forma, é sempre arriscado fazer esse tipo de projeto. Na última semana, um deles foi além: Apartamento 7A (Apartment 7A) chega como a prequel de O Bebê de Rosemary.

É um grande risco fazer um prequel de um dos melhores e mais lembrados filmes da história. E sinto que, infelizmente, esse filme entra numa leva de sequências que, não fosse por uma conexão ou outra, poderia ter qualquer outro nome, como o recente A Morte do Demônio: A Ascensão (2023).

No longa, Terry Gionoffrio (Julie Garner) é uma jovem dançarina que, em busca de sua ascensão profissional, é ajudada pelo casal Minnie e Roman Castevet (Dianne Wiest e Kevin McNally), enquanto vê sua vida cercada de forças sombrias durante esse caminhar para o sucesso.

Com o teatro musical presente na premissa, é espantoso como a escolha de não explorar bem esse universo foi tomada. A cena inicial parece descuidada e faz pensar numa falta de orçamento que não é real, especialmente comparada a outros momentos que vemos depois. Um destaque positivo fica para o devaneio da personagem durante seu abuso, que também é um momento bem trabalhado no original. Aqui, é o único momento em que o mergulho no teatro musical é mais ousado imageticamente, com uma bonita representação do demônio (juro!) cravejado de pedras brilhantes. Os outros devaneios se tornam repetitivos, exercendo sempre a mesma função na trama: nenhuma. Mentira, mas é sempre só para assustar por assustar.

Algumas cenas de terror parecem estar lá apenas para essa única função e ficam deslocadas até mesmo da mitologia da história, não convencendo no contexto em que estão. O mal (O MAL!) afeta muito outras pessoas que não estão relacionadas com a trama principal, como se não houvesse regras. E meio que não há mesmo. Há também cenas clichês de histórias de terror sobre gravidez, com protuberâncias na barriga, visões demoníacas do bebê (se bem que a da máquina de lavar é bem legal) e reflexos macabros nos espelhos.

Há uma cena de ensaio em que a protagonista perde o controle, que remete a uma circunstância parecida em Pânico 2 (1997), onde o momento é muito melhor dirigido e parece ser uma referência para a diretora Natalie Erika James. Falando nisso, é impossível também não lembrar de Cisne Negro (2010) quando vemos o desespero da protagonista por sua ascensão, e existe uma cena que remete diretamente ao Suspiria (2018), de Guadagnino. A diferença é, novamente, o comodismo, especialmente quando comparada a referências que chamam tanta atenção justamente por serem dirigidas com mãos pesadas. Obviamente também os dedos do estúdio parecem ter mexido fortemente no projeto por conta de suas crenças no que faria mais sentido para o público, atrapalhando a produção que a diretora tinha em mente.

O apartamento, que dá título ao filme, não é apresentado de maneira grandiosa, mas rever as locações, particularmente as externas, do original me pegou de uma maneira muito positiva. Julie Garner e Dianne Wiest também estão bem comprometidas no trabalho: a primeira é carismática e perceptivelmente se entrega ao papel; a segunda é hipnotizante, com uma voz que se encaixa perfeitamente na horrorosa Senhora Castevet. Gosto muito também da atmosfera criada durante a cena de perseguição da injustiçada Senhora Gardenia, que merecia bem mais espaço também.

A Primeira Profecia (2024) iniciou o ano como uma forte prequel e, ao lado do menos chamativo Imaculada (2024), criou esperança de uma boa leva de filmes de terror pró-aborto. Parece que toda essa parte, que renderia um Apartamento 7A mais forte, aliás, explorando as vontades da personagem de se estabelecer como uma mulher no meio de uma cena artística dominada por homens, vai sendo abandonada até parecer que nem fez parte do filme, quando especialmente na primeira meia hora apresenta cenas super fortes para pontuar o tema, como a da audição de Terry para um novo trabalho.

Por fim, o longa se aproxima tanto do original que quase vira um remake, mas infelizmente acredito que também não seria bom se fosse o caso. A conexão é escancaradamente mostrada na recriação de uma cena do original, que é até divertida de assistir, mas chega depois de toda a parte negativa que já foi entregue ao longo dos mais de 100 minutos de filme. O restante das conexões escondidas e piscadelas para o público, espalhadas pelo roteiro, também não encontram força num filme tão bagunçado.

Obs.: Não entendi direito alguns comentários raciais que o filme faz, desde a forma como a protagonista trata super bem um funcionário negro do prédio até a notícia sobre os protestos de Selma, pela garantia do direito ao voto de pessoas negras. É só para mostrar uma visão política do assunto dada a falta de personagens negros mais relevantes? Tem que ver…

Obs.2: Tem um fade to black na virada pro ato final onde eu jurei que entraria um comercial.

O filmes está disponível no Paramount+.

NOTA: 2/5

O Cara da Piscina (2023)

Não é incomum que atores se tornem diretores e/ou roteiristas depois de certo tempo de carreira. Também não é incomum que eles não sejam necessariamente bons nessas “novas” funções, mesmo que contem com o dinheiro e o elenco que parecem infalíveis. Esse é o caso de O Cara da Piscina (Poolman), dirigido e estrelado por Chris Pine.

No longa, o limpador de piscinas de Los Angeles, Darren Barrenman (Chris Pine), é abordado para ajudar a descobrir a corrupção em um negócio duvidoso. E, apesar de parecer muito mais inteligente que isso, confia em uma estranha que fornece informações sobre o caso, iniciando uma investigação ao lado de suas pessoas mais próximas.

Em boa parte do tempo, o longa brinca com o noir e clássicos de investigação, mas recorre de forma muito negativa aos elementos clichês desses tipos de produção. A linguagem com muita informação deixa tudo muito caótico, atirando para vários lados, contando com sonhos repetitivos e personagens olhando para a câmera em dois momentos completamente fora do tom do que é mostrado ao longo da projeção. Diálogos rápidos e enérgicos confundem o roteiro desde o começo do filme, somados a uma direção que, apesar de todas as tentativas, segue bastante quadrada. Esse caos não ajuda a se envolver na história e nem a se relacionar com os personagens. Por mais que os 100 minutos de duração passem de forma rápida, perto da metade do filme a impressão ainda é de que tudo está começando, mas nada vai a lugar algum.

E não é por falta de elementos que poderiam ser bem explorados. A cena inicial, com a limpeza detalhada da piscina ao som de Dueto das Flores, pode prometer mais do que a produção pode entregar. Há boas reflexões. O protagonista parece não se conformar completamente com a própria vida e encontra na investigação uma motivação maior, ele envia cartas reflexivas para Erin Brockovich, questionando sobre quando sua paixão virou raiva. Infelizmente, tudo isso é pouco aproveitado. A própria reflexão sobre os conjuntos habitacionais de Los Angeles se perdem numa ambientação falha, onde o local nunca é de fato mostrado.

Se às vezes dizemos frases como “o elenco salva o filme”, aqui não cabe, apesar dos nomes excepcionais. Annette Bening, Jennifer Jason Leigh e Danny DeVito são desperdiçados com personagens de exposição fácil, que se transformam em investigadores muito atrapalhados. Há uma cena em que Stephen Tobolowsky fala em voz alto algo como “nossa, hoje foi ótimo, poderia fazer isso pra sempre” enquanto está sozinho após um grandioso momento. A literalidade chega ao ápice em uma “piada” com o personagem de Denny Devito marcando para o espectador o começo do terceiro ato do filmes.

O twist, aliás, chega tarde. Também tornando rasa a abordagem do tema de saúde mental, beirando ao problemático. Não vou nem entrar no ponto sobre o que acontece com o único personagem que tem o mínimo de código queer no filme, assim como a única atriz negra, DeWanda Wise, tendo o papel de uma mulher misteriosa e extremamente bela, cheia de segredos.

Com base em uma Jornada do Herói aplicada de um jeito muito safado, O Cara da Piscina lembra aqueles filmes que aparecem na lista de indicados das categorias de comédia do Globo de Ouro, que ninguém sabe de onde veio. E isso está longe de ser um elogio. A estreia na direção e no roteiro de Chris Pine mostra, no fim das contas, que talvez haja um motivo para que o ator não tivesse mergulhado antes nas águas dessa piscina rasa.

NOTA: 1,5/5

Zona de Interesse (2023)

Nos últimos anos, 3 filmes me marcaram especialmente por suas cenas finais. São momentos que nem precisavam existir para que o longa fosse aclamado, mas cujas presenças funcionam como uma cereja de bolo para a catarse das histórias contadas. O primeiro foi Dor e Glória (2019), do Almodóvar, o segundo foi Assassinos da Lua das Flores (2023), do Scorsese, e agora Zona de Interesse (The Zone of Interest), de Jonathan Glazer.

Com 5 indicações ao Oscar 2024, o novo longa do diretor e roteirista de Sob a Pele (2013) e Reencarnação (2004) retrata o cotidiano da família do então comandante do campo de concentração de Auschwitz, Rudolf Höss, interpretado por Christian Friedel (Babylon Berlin).

Com a casa dos protagonistas literalmente dividindo o muro com Auschwitz, observamos a banalização do momento vivido através do dia-a-dia de quem se favorecia com as atrocidades e crimes cometidos na época. As preocupações com a rotina de filhos e com o jardim mostram a crueldade de um jeito diferente de outras produções que escolhem abordar o tema explicitando a tortura e a tristeza da vida dos perseguidos presos em campos de concentração. A forma como as crianças lidam com a situação dão uma pesada amostra de como o momento já estava enroscado a suas realidades.

Para acentuar esse desconforto, o som tem papel primordial. E desde a cena inicial isso é marcado para o espectador, que é mergulhado em sons à princípio não identificáveis enquanto na tela apenas se vê cores sem uma forma específica, algo que acontece em mais de um momento do longa. Do lado do muro em que não vemos a violência fisicamente, escutamos o som de máquinas, fogo e gritos que parecem crescer ou se tornam mais marcantes ao longo do filme. É como se fôssemos forçados a nos acostumar com esses sons infernais ao fundo, assim como os protagonistas fazem de forma natural.

As escolhas visuais também levam o longa para um lado artístico que combina bem com a falsa tranquilidade mostrada em tela. A câmera parada, sempre mostrando os cômodos de dentro da casa pelos mesmos ângulos, como em um jogo de videogame, reforça a rotina e a monotonia da vida das pessoas que fingem não saber ou simplesmente naturalizam o que acontece do outro lado do muro. Esse reforço é tão grande que, após a sessão, não foi incomum ouvir espectadores que consideraram o filme chato, mas considero que foi um risco escolhido a se correr pela proposta de como a história é contada.

Ainda falando da parte visual, dois momentos se destacam: a parte onírica presente na representação dos sonhos de uma das filhas do casal protagonista e o momento em que a sogra do protagonista observa com horror nos olhos e uma forte luz vermelha em seu rosto o que realmente acontece no ambiente vizinho ao da casa. A esposa de Rudolf, aliás, é interpretada pela contida e excelente Sandra Hüller (Anatomia de uma Queda).

A cena final, citada no começo do texto, deixa de lado qualquer resquício de pensamento de empatia pelos protagonistas. É importante ter, nos dias de hoje, a memória do que foi o nazismo. Somos constantemente assustados pela força que essa ideologia ainda tem e a forma como, na verdade, ela ainda parece crescer.

NOTA: 4/5

Carona Aterrorizante (2023)

Como eu sempre digo, uma pessoa com o rosto jorrando sangue em cima de uma criança é sempre uma boa maneira de começar um filme. A cena inicial, então, começa bem a nova produção assinada por Carter Smith pela Blumhouse. Em 2022, o diretor nos entregou o angustiante E EXTREMAMENTE GAY Engolidos (Swallowed), então expectativas já estavam estabelecidas antes de assistir.

Carona Aterrorizante (The Passenger) acabou de ficar disponível no Paramount+ e escolhe um caminho de violência mais brutal e escancarada, fugindo das ânsias de vômito que seu projeto anterior insistia em causar (e falo isso de uma forma muito positiva para Swallowed, juro).

Aqui os personagens também são completamente horrorosos desde que o conhecemos, com a exceção do protagonista Randy Bradley, interpretado por Johnny Berchtold. Quem diria que trabalhar numa lanchonete chamada Burgers Burgers Burgers em uma cidade de 10 mil habitantes não seria o emprego dos sonhos?

Frustrado e humilhado por seu chefe e colegas de trabalho, o introspectivo Randy tem sua vida movimentada quando Benson, interpretado por Kyle Gallner, decide ajudá-lo acabando com a vida de todos os funcionários presentes na lanchonete naquele momento. Grande ajuda, Benson, obrigado! A partir daí, os dois andam de carro pela cidade em um road movie maligno enquanto Benson acredita estar fazendo um favor ao tirar Randy de sua vida monótona.

Enquanto o personagem de Kyle Gallner (conhecido por marcantes papéis secundários em filmes de terror como Garota Infernal, Sorria e Pânico 5 (neste último marcado por uma péssima cena)) se revela para seu colega e adquire um casaco felpudo que certamente afetaria minha alergia, o roteiro parece tentar nos fazer refletir sobre a “bondade” de Benson ao livrar Randy de pessoas horrorosas em contraponto a sua visão reacionária que cresce a cada cena. Tudo isso passando por uma crítica aos empregos precarizados e a falta de esperança na vida de uma cidade pequena abandonada.

O tom segue como um bom filme do SuperCine e as viradas mantêm o ritmo agitado, apesar da premissa não prometer uma grande fuga de certos cenários ou situações. Mas esse clima também é frequentemente quebrado pela distração causada pelas atuações dos protagonistas, que acabam se atrapalhando. Enquanto Kyle apresenta um personagem cada vez mais surtado, Berchtold mantém uma interpretação contida que o personagem até pede, mas que o ator vacila na hora de entregar.

Outros pontos positivos são os efeitos visuais práticos, especialmente na cena da agressão no estacionamento, em que a boca ferida de um dos personagens causa uma aflição realista. E também a participação de Liza Weil (Gilmore Girls, How to Get Away With Murder), que entra em cena em um momento que acaba remetendo a séries de dez ou mais anos atrás, justamente das quais a atriz costumava participar. Sua personagem, aliás, é um importante contraponto para a já citada falta de esperança que é estabelecida como um traço marcante na cidade.

O final pesa para o apelo sentimental sem muito sucesso, especialmente com a trilha sonora gritante. O diálogo também enfraquece. Em uma exposição exagerada, o protagonista explica seu jeito a partir dos próprios traumas. Ele literalmente cita cenas iniciais do filme para explicar como o trauma do passado se relaciona com seu comportamento, é um didatismo exagerado de seus traumas. Mas confesso que os personagens chorando banhados por luzes avermelhadas e azuladas piscando enquanto dizem suas últimas falas me pegou um pouco, foi bom.

E apesar de não tão explícita, uma leitura queer se torna possível para além de um cara mais velho obcecado por um twink de 21 anos. Todos os ensinamentos e frustrações de Benson passam por situações infelizes de seu passado, isso fica muito claro na já citada cena do estacionamento, em que o personagem ataca um de seus antigos professores da escola e o motivo não é completamente dado. “Você é mais do que essa vida que você leva” ou algo do tipo é dito por Benson para Randy ainda nos momentos iniciais da trama. É isso que ele quer conquistar para seu novinho colega, mesmo que não meça muito bem suas atitudes para isso.

Carona Aterrorizante dificilmente vai superar ou sequer ocupar o mesmo espaço que o longa anterior de Carter Smith tem em minha memória, mas assim como Engolidos, esse filme também já cresce na minha cabeça pouquíssimo tempo depois de assistido, felizmente.

NOTA: 3,5/5

Ninguém Vai Te Salvar (2023)

Com deliciosos elementos clássicos bem espalhados em uma ótima meia hora inicial, o novo filme de Brian Duffield infelizmente se perde um pouco antes de tentar se salvar com um final maldoso.

Contém spoilers, beleza?

De vez em quando surge algum filme em algum streaming que gera alguma conversinha e une bolhas. Não sei se Ninguém Vai Te Salvar está totalmente contemplado no último caso, mas tem chamado atenção de públicos diversos. Minha animação para assistir cresceu depois do trailer animado e de um frame que mostrava aquele ET clássico, de corpo magro e longo, com os olhões pretos brilhosos.

As histórias de invasão alienígena que mais me atraem são as que mostram a coisa acontecendo ali, na hora, com o ser humano não fazendo ideia do que está rolando. Guerra dos Mundos é um bom exemplo disso. Do lado oposto, com humanos praticamente adaptados à convivência com alienígenas, não lembro de um exemplo que eu goste além de Distrito 9, que me agrada bastante!

Com isso em consideração, a meia hora inicial de Ninguém Vai Te Salvar foi deliciosa de assistir. Kaitlyn Dever é carismática e parece se divertir como a misteriosa Brynn fugindo do ataque extraterrestre em sua casa. Com o passar do tempo, para além de referências clássicas, o longa também remete ao badalado Um Lugar Silencioso. Isso eu só descobri enquanto assistia e acho que funciona bem mais aqui do que na produção de John Krasinski, que promete desde seu título muito mais silêncio do que nos faz escutar depois.

Feliz com toda a ação em seus momentos iniciais, me surpreendi com a primeira reviravolta do filme, que mostra a protagonista tentando pedir ajuda para o resto da cidade e sendo ignorada por todas as pessoas, levando até cuspida na cara (quem nunca?). Caminhando na direção de uma ótima referência ao praticamente subgênero Invasores de Corpos, o roteiro acerta em usar a rejeição sofrida por Brynn como mais um ponto de conexão com o espectador. Ela acabou de lutar contra um ET, poxa!

Ao mesmo tempo, cresce a clareza da informação de que o comportamento dos outros moradores da cidade se dá por algo grave que a protagonista fez no passado. O trauma se torna um tema mais latente e aparentemente previsível enquanto o filme é abduzido pela falta de regras. Os alienígenas mudam de comportamento a cada cena e suas habilidades idem: eles conseguem mover um carro e um sofá com sua tecnologia, mas são incapazes de destruir o teto da casa para capturar Brynn. E quando não é possível controlar o corpo de heroína (?), um clone é criado (pois é!). Entendo que conveniência talvez seja algo intrínseco a qualquer roteiro, mas se torna exagerada quando deixa a verossimilhança da história em risco, e é o que acontece aqui. Confesso, entretanto, que caí direitinho no clichê da protagonista enfrentando seu trauma passado, com seu eu completamente sujo e machucado matando o clone perfeito recém-criado. Clone que nos remete à persona que Brynn fingia ter no início da história. O que nos leva para o fim do filme. Ah, o fim do filme…

Como o título promete, ninguém salva a protagonista e ela é absolvida (ou condenada) pelos alienígenas, podendo viver a vida que nunca teve, repleta de relações sociais, ao lado de corpos controlados pelos invasores. O mais inusitado é que em um longa repleto de símbolos clássicos, um final sincero e maldoso surpreende, se tornando até arriscado. Acho que essa fuga de uma narrativa clássica nos últimos minutos pode incomodar para quem gostaria de assistir ao pacote completo de ótimos clichês de invasão alienígena. Eu gostei, me deixou com um sorrisinho na cara, é maldoso na medida certa e faz o filme crescer na minha cabeça com o passar dos dias, mas não chega a apagar os problemas do segundo ato repleto de repetições e saídas fáceis.

NOTA: 3,5/5