Sujo (2024)

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Vencedor do grande prêmio do júri no Festival de Sundance

A pobreza romantizada é uma representação comum no cinema, infelizmente. No caso de Sujo (2014), dirigido por Astrid Rondero e Fernanda Valadez, explora os personagens no escuro, sempre em ambientes vazios. A natureza ao redor deles é devastada e árvores de galhos secos os cercam por todos os lados e estão presentes em cena a todo tempo. Mesmo na tomada que mostra um belo céu estrelado, esses galhos funcionam como uma moldura na tela.

O longa mexicano acompanha a história de Sujo da infância até a adolescência. Aos 4 anos de idade, ele perde o pai, membro de um cartel que é assassinado. A partir daí, o protagonista passa a ser protegido por suas tias até o fim da adolescência, quando parte para a cidade grande, fugindo do passado “perigoso” e em busca de um emprego e oportunidade de estudar.

A história fica dividida em três partes. Nas duas primeiras, em que Sujo ainda está em Terra Caliente, no estado de Michoacán, o destaque fica para a importância dada para as personagens femininas, todas interpretadas por ótimas atrizes. O rosto dos homens nunca é inteiramente mostrado, nem mesmo o do pai da criança. As mulheres tomam conta da história enquanto protegem os pequenos do mundo do crime e suas ações são sempre destacadas, mesmo quando, em cena, o que temos no centro é o que as crianças estão fazendo no momento.

A direção dessas duas primeiras partes é cuidadosa, a fotografia é usada em favor da narrativa, deixando os personagens no escuro no dia-a-dia e em devaneios durante a noite. É bonito de se ver, mas todas essas decisões, entretanto, são feitas de modo a ressaltar a miséria e a solidão dessas pessoas em um mundo do qual não se parece poder fugir. Sujo, já adolescente, conserta o carro do pai, mesmo carro em que na infância ficou preso por horas. E a partir daí, parece aceitar um destino ingrato, começando a se envolver com o cartel com amigos da mesma idade. Nada é sutil.

Na terceira parte, essa direção assume um tom mais tradicional, abandonando os elementos marcantes das duas primeiras. Um tom professoral entra em cena, idealizando ainda mais a realidade difícil de onde vêm pessoas marginalizadas. A dificuldade de abandonar o passado continua sendo tema central. A visita de um amigo do passado abala a nova vida de Sujo e uma professora, na qual o protagonista reflete a falta de uma presença maternal, mesmo sofrendo nas mãos do jovem, que não sabe o que faz, continua o ajudando e apostando nele.

A cobrança de masculinidade quando mais velho é um caminho pouco explorado, apenas com outros homens que o provocam quando ele passa, mais de uma vez, ao lado de um grupo que treina luta em uma arena na rua. Talvez esse novo recorte acrescentasse uma camada a mais num filme de representações tão problemáticas. Em uma das cenas que mais marcam essa romantização da pobreza de forma velada na cidade grande, a professora fala sobre Sujo para outra pessoa: “Ele não sabe, mas é bem especial”. Visto por americanos progressistas banhados por essa fetichização da miséria, é possível entender o que levou Sujo a levar o grande prêmio do júri no Festival de Sundance.

Sujo está na programação oficial da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

NOTA: 2,5/5