O Cara da Piscina (2023)

Não é incomum que atores se tornem diretores e/ou roteiristas depois de certo tempo de carreira. Também não é incomum que eles não sejam necessariamente bons nessas “novas” funções, mesmo que contem com o dinheiro e o elenco que parecem infalíveis. Esse é o caso de O Cara da Piscina (Poolman), dirigido e estrelado por Chris Pine.

No longa, o limpador de piscinas de Los Angeles, Darren Barrenman (Chris Pine), é abordado para ajudar a descobrir a corrupção em um negócio duvidoso. E, apesar de parecer muito mais inteligente que isso, confia em uma estranha que fornece informações sobre o caso, iniciando uma investigação ao lado de suas pessoas mais próximas.

Em boa parte do tempo, o longa brinca com o noir e clássicos de investigação, mas recorre de forma muito negativa aos elementos clichês desses tipos de produção. A linguagem com muita informação deixa tudo muito caótico, atirando para vários lados, contando com sonhos repetitivos e personagens olhando para a câmera em dois momentos completamente fora do tom do que é mostrado ao longo da projeção. Diálogos rápidos e enérgicos confundem o roteiro desde o começo do filme, somados a uma direção que, apesar de todas as tentativas, segue bastante quadrada. Esse caos não ajuda a se envolver na história e nem a se relacionar com os personagens. Por mais que os 100 minutos de duração passem de forma rápida, perto da metade do filme a impressão ainda é de que tudo está começando, mas nada vai a lugar algum.

E não é por falta de elementos que poderiam ser bem explorados. A cena inicial, com a limpeza detalhada da piscina ao som de Dueto das Flores, pode prometer mais do que a produção pode entregar. Há boas reflexões. O protagonista parece não se conformar completamente com a própria vida e encontra na investigação uma motivação maior, ele envia cartas reflexivas para Erin Brockovich, questionando sobre quando sua paixão virou raiva. Infelizmente, tudo isso é pouco aproveitado. A própria reflexão sobre os conjuntos habitacionais de Los Angeles se perdem numa ambientação falha, onde o local nunca é de fato mostrado.

Se às vezes dizemos frases como “o elenco salva o filme”, aqui não cabe, apesar dos nomes excepcionais. Annette Bening, Jennifer Jason Leigh e Danny DeVito são desperdiçados com personagens de exposição fácil, que se transformam em investigadores muito atrapalhados. Há uma cena em que Stephen Tobolowsky fala em voz alto algo como “nossa, hoje foi ótimo, poderia fazer isso pra sempre” enquanto está sozinho após um grandioso momento. A literalidade chega ao ápice em uma “piada” com o personagem de Denny Devito marcando para o espectador o começo do terceiro ato do filmes.

O twist, aliás, chega tarde. Também tornando rasa a abordagem do tema de saúde mental, beirando ao problemático. Não vou nem entrar no ponto sobre o que acontece com o único personagem que tem o mínimo de código queer no filme, assim como a única atriz negra, DeWanda Wise, tendo o papel de uma mulher misteriosa e extremamente bela, cheia de segredos.

Com base em uma Jornada do Herói aplicada de um jeito muito safado, O Cara da Piscina lembra aqueles filmes que aparecem na lista de indicados das categorias de comédia do Globo de Ouro, que ninguém sabe de onde veio. E isso está longe de ser um elogio. A estreia na direção e no roteiro de Chris Pine mostra, no fim das contas, que talvez haja um motivo para que o ator não tivesse mergulhado antes nas águas dessa piscina rasa.

NOTA: 1,5/5

Zona de Interesse (2023)

Nos últimos anos, 3 filmes me marcaram especialmente por suas cenas finais. São momentos que nem precisavam existir para que o longa fosse aclamado, mas cujas presenças funcionam como uma cereja de bolo para a catarse das histórias contadas. O primeiro foi Dor e Glória (2019), do Almodóvar, o segundo foi Assassinos da Lua das Flores (2023), do Scorsese, e agora Zona de Interesse (The Zone of Interest), de Jonathan Glazer.

Com 5 indicações ao Oscar 2024, o novo longa do diretor e roteirista de Sob a Pele (2013) e Reencarnação (2004) retrata o cotidiano da família do então comandante do campo de concentração de Auschwitz, Rudolf Höss, interpretado por Christian Friedel (Babylon Berlin).

Com a casa dos protagonistas literalmente dividindo o muro com Auschwitz, observamos a banalização do momento vivido através do dia-a-dia de quem se favorecia com as atrocidades e crimes cometidos na época. As preocupações com a rotina de filhos e com o jardim mostram a crueldade de um jeito diferente de outras produções que escolhem abordar o tema explicitando a tortura e a tristeza da vida dos perseguidos presos em campos de concentração. A forma como as crianças lidam com a situação dão uma pesada amostra de como o momento já estava enroscado a suas realidades.

Para acentuar esse desconforto, o som tem papel primordial. E desde a cena inicial isso é marcado para o espectador, que é mergulhado em sons à princípio não identificáveis enquanto na tela apenas se vê cores sem uma forma específica, algo que acontece em mais de um momento do longa. Do lado do muro em que não vemos a violência fisicamente, escutamos o som de máquinas, fogo e gritos que parecem crescer ou se tornam mais marcantes ao longo do filme. É como se fôssemos forçados a nos acostumar com esses sons infernais ao fundo, assim como os protagonistas fazem de forma natural.

As escolhas visuais também levam o longa para um lado artístico que combina bem com a falsa tranquilidade mostrada em tela. A câmera parada, sempre mostrando os cômodos de dentro da casa pelos mesmos ângulos, como em um jogo de videogame, reforça a rotina e a monotonia da vida das pessoas que fingem não saber ou simplesmente naturalizam o que acontece do outro lado do muro. Esse reforço é tão grande que, após a sessão, não foi incomum ouvir espectadores que consideraram o filme chato, mas considero que foi um risco escolhido a se correr pela proposta de como a história é contada.

Ainda falando da parte visual, dois momentos se destacam: a parte onírica presente na representação dos sonhos de uma das filhas do casal protagonista e o momento em que a sogra do protagonista observa com horror nos olhos e uma forte luz vermelha em seu rosto o que realmente acontece no ambiente vizinho ao da casa. A esposa de Rudolf, aliás, é interpretada pela contida e excelente Sandra Hüller (Anatomia de uma Queda).

A cena final, citada no começo do texto, deixa de lado qualquer resquício de pensamento de empatia pelos protagonistas. É importante ter, nos dias de hoje, a memória do que foi o nazismo. Somos constantemente assustados pela força que essa ideologia ainda tem e a forma como, na verdade, ela ainda parece crescer.

NOTA: 4/5

Carona Aterrorizante (2023)

Como eu sempre digo, uma pessoa com o rosto jorrando sangue em cima de uma criança é sempre uma boa maneira de começar um filme. A cena inicial, então, começa bem a nova produção assinada por Carter Smith pela Blumhouse. Em 2022, o diretor nos entregou o angustiante E EXTREMAMENTE GAY Engolidos (Swallowed), então expectativas já estavam estabelecidas antes de assistir.

Carona Aterrorizante (The Passenger) acabou de ficar disponível no Paramount+ e escolhe um caminho de violência mais brutal e escancarada, fugindo das ânsias de vômito que seu projeto anterior insistia em causar (e falo isso de uma forma muito positiva para Swallowed, juro).

Aqui os personagens também são completamente horrorosos desde que o conhecemos, com a exceção do protagonista Randy Bradley, interpretado por Johnny Berchtold. Quem diria que trabalhar numa lanchonete chamada Burgers Burgers Burgers em uma cidade de 10 mil habitantes não seria o emprego dos sonhos?

Frustrado e humilhado por seu chefe e colegas de trabalho, o introspectivo Randy tem sua vida movimentada quando Benson, interpretado por Kyle Gallner, decide ajudá-lo acabando com a vida de todos os funcionários presentes na lanchonete naquele momento. Grande ajuda, Benson, obrigado! A partir daí, os dois andam de carro pela cidade em um road movie maligno enquanto Benson acredita estar fazendo um favor ao tirar Randy de sua vida monótona.

Enquanto o personagem de Kyle Gallner (conhecido por marcantes papéis secundários em filmes de terror como Garota Infernal, Sorria e Pânico 5 (neste último marcado por uma péssima cena)) se revela para seu colega e adquire um casaco felpudo que certamente afetaria minha alergia, o roteiro parece tentar nos fazer refletir sobre a “bondade” de Benson ao livrar Randy de pessoas horrorosas em contraponto a sua visão reacionária que cresce a cada cena. Tudo isso passando por uma crítica aos empregos precarizados e a falta de esperança na vida de uma cidade pequena abandonada.

O tom segue como um bom filme do SuperCine e as viradas mantêm o ritmo agitado, apesar da premissa não prometer uma grande fuga de certos cenários ou situações. Mas esse clima também é frequentemente quebrado pela distração causada pelas atuações dos protagonistas, que acabam se atrapalhando. Enquanto Kyle apresenta um personagem cada vez mais surtado, Berchtold mantém uma interpretação contida que o personagem até pede, mas que o ator vacila na hora de entregar.

Outros pontos positivos são os efeitos visuais práticos, especialmente na cena da agressão no estacionamento, em que a boca ferida de um dos personagens causa uma aflição realista. E também a participação de Liza Weil (Gilmore Girls, How to Get Away With Murder), que entra em cena em um momento que acaba remetendo a séries de dez ou mais anos atrás, justamente das quais a atriz costumava participar. Sua personagem, aliás, é um importante contraponto para a já citada falta de esperança que é estabelecida como um traço marcante na cidade.

O final pesa para o apelo sentimental sem muito sucesso, especialmente com a trilha sonora gritante. O diálogo também enfraquece. Em uma exposição exagerada, o protagonista explica seu jeito a partir dos próprios traumas. Ele literalmente cita cenas iniciais do filme para explicar como o trauma do passado se relaciona com seu comportamento, é um didatismo exagerado de seus traumas. Mas confesso que os personagens chorando banhados por luzes avermelhadas e azuladas piscando enquanto dizem suas últimas falas me pegou um pouco, foi bom.

E apesar de não tão explícita, uma leitura queer se torna possível para além de um cara mais velho obcecado por um twink de 21 anos. Todos os ensinamentos e frustrações de Benson passam por situações infelizes de seu passado, isso fica muito claro na já citada cena do estacionamento, em que o personagem ataca um de seus antigos professores da escola e o motivo não é completamente dado. “Você é mais do que essa vida que você leva” ou algo do tipo é dito por Benson para Randy ainda nos momentos iniciais da trama. É isso que ele quer conquistar para seu novinho colega, mesmo que não meça muito bem suas atitudes para isso.

Carona Aterrorizante dificilmente vai superar ou sequer ocupar o mesmo espaço que o longa anterior de Carter Smith tem em minha memória, mas assim como Engolidos, esse filme também já cresce na minha cabeça pouquíssimo tempo depois de assistido, felizmente.

NOTA: 3,5/5

Ninguém Vai Te Salvar (2023)

Com deliciosos elementos clássicos bem espalhados em uma ótima meia hora inicial, o novo filme de Brian Duffield infelizmente se perde um pouco antes de tentar se salvar com um final maldoso.

Contém spoilers, beleza?

De vez em quando surge algum filme em algum streaming que gera alguma conversinha e une bolhas. Não sei se Ninguém Vai Te Salvar está totalmente contemplado no último caso, mas tem chamado atenção de públicos diversos. Minha animação para assistir cresceu depois do trailer animado e de um frame que mostrava aquele ET clássico, de corpo magro e longo, com os olhões pretos brilhosos.

As histórias de invasão alienígena que mais me atraem são as que mostram a coisa acontecendo ali, na hora, com o ser humano não fazendo ideia do que está rolando. Guerra dos Mundos é um bom exemplo disso. Do lado oposto, com humanos praticamente adaptados à convivência com alienígenas, não lembro de um exemplo que eu goste além de Distrito 9, que me agrada bastante!

Com isso em consideração, a meia hora inicial de Ninguém Vai Te Salvar foi deliciosa de assistir. Kaitlyn Dever é carismática e parece se divertir como a misteriosa Brynn fugindo do ataque extraterrestre em sua casa. Com o passar do tempo, para além de referências clássicas, o longa também remete ao badalado Um Lugar Silencioso. Isso eu só descobri enquanto assistia e acho que funciona bem mais aqui do que na produção de John Krasinski, que promete desde seu título muito mais silêncio do que nos faz escutar depois.

Feliz com toda a ação em seus momentos iniciais, me surpreendi com a primeira reviravolta do filme, que mostra a protagonista tentando pedir ajuda para o resto da cidade e sendo ignorada por todas as pessoas, levando até cuspida na cara (quem nunca?). Caminhando na direção de uma ótima referência ao praticamente subgênero Invasores de Corpos, o roteiro acerta em usar a rejeição sofrida por Brynn como mais um ponto de conexão com o espectador. Ela acabou de lutar contra um ET, poxa!

Ao mesmo tempo, cresce a clareza da informação de que o comportamento dos outros moradores da cidade se dá por algo grave que a protagonista fez no passado. O trauma se torna um tema mais latente e aparentemente previsível enquanto o filme é abduzido pela falta de regras. Os alienígenas mudam de comportamento a cada cena e suas habilidades idem: eles conseguem mover um carro e um sofá com sua tecnologia, mas são incapazes de destruir o teto da casa para capturar Brynn. E quando não é possível controlar o corpo de heroína (?), um clone é criado (pois é!). Entendo que conveniência talvez seja algo intrínseco a qualquer roteiro, mas se torna exagerada quando deixa a verossimilhança da história em risco, e é o que acontece aqui. Confesso, entretanto, que caí direitinho no clichê da protagonista enfrentando seu trauma passado, com seu eu completamente sujo e machucado matando o clone perfeito recém-criado. Clone que nos remete à persona que Brynn fingia ter no início da história. O que nos leva para o fim do filme. Ah, o fim do filme…

Como o título promete, ninguém salva a protagonista e ela é absolvida (ou condenada) pelos alienígenas, podendo viver a vida que nunca teve, repleta de relações sociais, ao lado de corpos controlados pelos invasores. O mais inusitado é que em um longa repleto de símbolos clássicos, um final sincero e maldoso surpreende, se tornando até arriscado. Acho que essa fuga de uma narrativa clássica nos últimos minutos pode incomodar para quem gostaria de assistir ao pacote completo de ótimos clichês de invasão alienígena. Eu gostei, me deixou com um sorrisinho na cara, é maldoso na medida certa e faz o filme crescer na minha cabeça com o passar dos dias, mas não chega a apagar os problemas do segundo ato repleto de repetições e saídas fáceis.

NOTA: 3,5/5

ENLATADO

Contra a Interpretação, Susan Sontag

Eu tô adiando há tanto tempo voltar com esse blog que tudo que eu teclo aqui, minutos antes de começar a publicar, me parece clichê. Seja pelo cansaço que a rotina de escrita acaba causando, especialmente por não ser minha ocupação principal, ou pela insegurança de ter outras pessoas lendo e pensando sobre o que eu tô falando, sempre vem a insegurança de começar a escrever e publicar.

Pra quem? Pra que? “Pra mim” parece ser uma boa (e também clichê) resposta. E vai ser isso. Obviamente que me ajuda a criar contatos, ter um portfólio de críticas e dar minha opinião (é do gay dar opinião). Mas uma vez que escrever, desde quase literalmente sempre, é uma das coisas que eu mais gosto de fazer, seja com os livros escritos à mão em cadernos de 96 páginas na infância, com as séries virtuais no Orkut, com os vários projetos e roteiros de séries e filmes nos últimos anos ou até mesmo com os inúmeros blogs que já comecei, “pra mim” parece um clichê que funciona muito bem nesse momento.

Fique uns bons e queridos anos escrevendo pro saudoso CCine10, que me deu muitas oportunidades bacanas, cobrindo festivais, entrevistando atores e diretores (um beijo pro Guadagnino), indo em cabines e conhecendo outros jornalistas muito legais (que sempre me fizeram afastar a ideia comum dos cinéfilos insuportáveis (que também existem, obviamente, mas que de certa forma ajudam a dar a graça do rolê todo)). Também escrevi por algumas semanas e ao lado de pessoas muito fofas (!!!)  no também saudoso CineAddicition, que me ajudou a aprender a como consumir não só o que eu tava a fim e ainda por cima a escrever sobre isso.

Enfim, pela 8439ª vez e meio cansado de colocar a culpa em não ter tempo, estar esperando a ideia perfeita ou acreditar que meu negócio é outro (e é óbvio que eu vou continuar a fazer isso), volto a escrever sobre cinema, TV e o que mais der vontade sobre, especialmente relacionado à cultura pop (e especialmente sobre cinema e TV mesmo, de vez em quando com alguma ênfase em terror, temáticas LGBT+ e raciais (e às vezes com ênfase nisso tudo junto (porque eu sou isso tudo junto))).

Em um dos meus blogs, lembro do primeiro post citar pessoas, sites, séries e filmes que me inspiravam. Algumas das pessoas até viram e acharam fofo depois, me mandaram mensagem, fiquei sem jeito, um horror, uma vergonha de repetir isso. Nos textos minhas referências vão ficar perceptíveis e sempre serão citadas, mas por agora vou falar as 4 principais “coisas” que têm me inspirado a escrever mais e pra esse começo de blog vai ser isso: meu namorado, o grupo de desenvolvimento de roteiro do Centro Cultural Marieta, o site/podcast Esqueletos no Armário e a Letrux! Ontem li Contra a Interpretação, da Susan Sontag, foi de uma lindeza inspiradora também.

Hoje, algum dos 8439 stories que vi no Instagram era um post com várias frases como “seu primeiro podcast não vai ser bom”, “seu primeiro discurso não vai ser bom”… A ideia era motivar as pessoas a começar o que estão planejando mesmo que ainda não esteja no estágio idealizado. Não foi o melhor story que eu vi hoje (esse envolvia o possível cancelamento da participação da Anitta no programa da Blogueirinha), mas me mexeu um pouco (acho que foi um pouco). Eu já tinha pensado em começar o blog hoje antes de ver a imagem, que pode ter ajudado ou não, mas que mostra que um clichê no momento certo funciona muito bem mesmo.