48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
É muito bonito ver a equipe de um filme tão envolvida e engajada em seu trabalho, levando realmente a sério a ideia de que o cinema é uma arte coletiva e compartilhada. Esse definitivamente é o caso de Câncer com Ascendente em Virgem.
No filme, acompanhamos Clara (Suzana Pires), uma professora que, após receber o diagnóstico de câncer de mama, começa a ver sua vida e suas relações sob uma nova perspectiva, sempre apoiada pela mãe, Leda (Marieta Severo), e pela filha Alice (Nathália Costa). O longa é dirigido por Rosane Svartman (Desenrola, Como Ser Solteiro) e é baseado na história da produtora Clélia Bessa, que durante o tratamento que a curou de um câncer de mama em 2008, lançou o blog “Estou com Câncer, e Daí?”, que posteriormente foi transformado em livro. O roteiro é assinado por Suzana Pires, em parceria com Martha Mendonça e Pedro Reinato, e conta com a colaboração de Ana Michelle, Rosane Svartman e Elisa Bessa, filha de Clélia.
Desde a apresentação dos patrocinadores e instituições parceiras, o filme não sente vergonha de assumir o papel de uma espécie de campanha de prevenção ao câncer de mama. Seus primeiros minutos se transformam num manual desse cuidado, passando pela descoberta do tumor, uma segunda, terceira e outras opiniões sobre o caso, até o conselho de que Clara deve aproveitar bem a vida antes de começar a quimioterapia.
O tom varia entre o drama e a comédia na defesa de uma leveza para o filme, mas acaba caindo em alguns clichês e estranhezas quando piadas se perdem no meio de uma trilha sonora pesada, que é boa, mas tira o efeito de momentos engraçados, como quando Clara menciona que o pensamento de que sua filha teria que ser cuidada somente pelo ex foi o suficiente para motivá-la contra o câncer. A trilha, aliás, é original e assinada por Flavia Tygel, contando ainda com uma canção interpretada por Preta Gil, que teve sua história com o câncer muito comentada nos últimos anos.
Ainda nas repetições narrativas, o texto não poupa momentos e frases motivacionais. Algumas frases chegam a soar didáticas e não muito verossímeis dentro dos diálogos, apelando de forma fácil para a emoção quando questiona termos como “perder a batalha para o câncer” e usando frases de consolo como “essa dor que você está sentindo é do tamanho do amor que você sente por ela”.

O roteiro acerta ao complexificar sua protagonista, somando questões para além de sua saúde. Os fatores de ser mulher, mãe, divorciada e uma professora que cria videoaulas para internet são amarrados de forma muito orgânica na narrativa e usados de maneira equilibrada, nada é aleatório e todas as questões se amarram. Outro acerto é a abordagem do tema geracional presente na relação familiar das três mulheres principais do longa. A intimidade entre Clara, Alice e Leda salva, por exemplo, uma clássica cena dos filmes com a mesma temática, com a protagonista raspando a cabeça, de cair num grande clichê. A cena comove muito também por conta do elenco. O filme também faz questão de jogar fora qualquer ideia de rivalidade feminina, colocando Ju (Julia Konrad), a atual do ex, também em um papel de apoio para a protagonista.
O elenco pode ser considerado o ponto alto do longa. Suzana Pires está completamente envolvida e entregue ao seu papel, expressando emoção para além da personagem nas cenas mais exigentes. O auge disso é a bonita cena da praia, em que a personagem mergulha no mar acompanhada de suas parceiras de vida naquele momento. Marieta Severo segura com seu incontestável talento uma personagem que demora para engrenar e fica presa na piada repetitiva de apostar em várias crenças religiosas para apoiar a filha. Além delas, o filme também conta com a jovem e ótima Nathália Costa, o talento já conhecido de Julia Konrad e Ângelo Paes Leme.
Fabiana Karla e Carla Cristina Cardoso (também ótimas) interpretam as amigas da protagonista. Enquanto a primeira é uma vendedora que tem seus laços intensificados com Clara após revelar que também vive com câncer, caminhando para um lugar bastante previsível dentro da história, a segunda assume o papel de melhor amiga, o que me faz questionar um ponto mais delicado do longa. Há uma clara preocupação em colocar atores negros ao redor da protagonista do longa, mas todos aparecem sem muita profundidade ou outras camadas, ao contrário de todos dos papeis de todos os outros membros brancos do elenco principal. Enquanto Paula, personagem de Carla, é a amiga negra que representa todas as amigas ao redor da protagonista da história real, temos atores negros interpretando médicos e até uma transa casual da personagem principal. A impressão, infelizmente, é de que essas pessoas estão ali para garantir a diversidade visual do elenco.

Já na reta final, Câncer com Ascendente em Virgem segue caminhos mais tradicionais para tramas do gênero. Vemos a protagonista exausta, tendo seu cansaço disfarçado por filtros de aplicativos para celular em uma ótima sacada da história, mas com uma exposição também fácil quando chega ao auge desse sentimento durante uma live que a personagem faz com o humorista Yuri Marçal.
Cheio de boas intenções bem fundamentadas e que cumprem seu papel, o filme termina com um ar de “filme para toda família”, o que é ótimo, mas o limita em grandes inovações que a história poderia proporcionar. Mas essa é a proposta do longa e está tudo certo. A sensação de que o trabalho cuidadoso foi feito com uma extrema parceria da equipe, como mencionei no começo do texto, é, com razão, um dos fatores mais emocionante dessa bonita história.



















