Carona Aterrorizante (2023)

Como eu sempre digo, uma pessoa com o rosto jorrando sangue em cima de uma criança é sempre uma boa maneira de começar um filme. A cena inicial, então, começa bem a nova produção assinada por Carter Smith pela Blumhouse. Em 2022, o diretor nos entregou o angustiante E EXTREMAMENTE GAY Engolidos (Swallowed), então expectativas já estavam estabelecidas antes de assistir.

Carona Aterrorizante (The Passenger) acabou de ficar disponível no Paramount+ e escolhe um caminho de violência mais brutal e escancarada, fugindo das ânsias de vômito que seu projeto anterior insistia em causar (e falo isso de uma forma muito positiva para Swallowed, juro).

Aqui os personagens também são completamente horrorosos desde que o conhecemos, com a exceção do protagonista Randy Bradley, interpretado por Johnny Berchtold. Quem diria que trabalhar numa lanchonete chamada Burgers Burgers Burgers em uma cidade de 10 mil habitantes não seria o emprego dos sonhos?

Frustrado e humilhado por seu chefe e colegas de trabalho, o introspectivo Randy tem sua vida movimentada quando Benson, interpretado por Kyle Gallner, decide ajudá-lo acabando com a vida de todos os funcionários presentes na lanchonete naquele momento. Grande ajuda, Benson, obrigado! A partir daí, os dois andam de carro pela cidade em um road movie maligno enquanto Benson acredita estar fazendo um favor ao tirar Randy de sua vida monótona.

Enquanto o personagem de Kyle Gallner (conhecido por marcantes papéis secundários em filmes de terror como Garota Infernal, Sorria e Pânico 5 (neste último marcado por uma péssima cena)) se revela para seu colega e adquire um casaco felpudo que certamente afetaria minha alergia, o roteiro parece tentar nos fazer refletir sobre a “bondade” de Benson ao livrar Randy de pessoas horrorosas em contraponto a sua visão reacionária que cresce a cada cena. Tudo isso passando por uma crítica aos empregos precarizados e a falta de esperança na vida de uma cidade pequena abandonada.

O tom segue como um bom filme do SuperCine e as viradas mantêm o ritmo agitado, apesar da premissa não prometer uma grande fuga de certos cenários ou situações. Mas esse clima também é frequentemente quebrado pela distração causada pelas atuações dos protagonistas, que acabam se atrapalhando. Enquanto Kyle apresenta um personagem cada vez mais surtado, Berchtold mantém uma interpretação contida que o personagem até pede, mas que o ator vacila na hora de entregar.

Outros pontos positivos são os efeitos visuais práticos, especialmente na cena da agressão no estacionamento, em que a boca ferida de um dos personagens causa uma aflição realista. E também a participação de Liza Weil (Gilmore Girls, How to Get Away With Murder), que entra em cena em um momento que acaba remetendo a séries de dez ou mais anos atrás, justamente das quais a atriz costumava participar. Sua personagem, aliás, é um importante contraponto para a já citada falta de esperança que é estabelecida como um traço marcante na cidade.

O final pesa para o apelo sentimental sem muito sucesso, especialmente com a trilha sonora gritante. O diálogo também enfraquece. Em uma exposição exagerada, o protagonista explica seu jeito a partir dos próprios traumas. Ele literalmente cita cenas iniciais do filme para explicar como o trauma do passado se relaciona com seu comportamento, é um didatismo exagerado de seus traumas. Mas confesso que os personagens chorando banhados por luzes avermelhadas e azuladas piscando enquanto dizem suas últimas falas me pegou um pouco, foi bom.

E apesar de não tão explícita, uma leitura queer se torna possível para além de um cara mais velho obcecado por um twink de 21 anos. Todos os ensinamentos e frustrações de Benson passam por situações infelizes de seu passado, isso fica muito claro na já citada cena do estacionamento, em que o personagem ataca um de seus antigos professores da escola e o motivo não é completamente dado. “Você é mais do que essa vida que você leva” ou algo do tipo é dito por Benson para Randy ainda nos momentos iniciais da trama. É isso que ele quer conquistar para seu novinho colega, mesmo que não meça muito bem suas atitudes para isso.

Carona Aterrorizante dificilmente vai superar ou sequer ocupar o mesmo espaço que o longa anterior de Carter Smith tem em minha memória, mas assim como Engolidos, esse filme também já cresce na minha cabeça pouquíssimo tempo depois de assistido, felizmente.

NOTA: 3,5/5

Ninguém Vai Te Salvar (2023)

Com deliciosos elementos clássicos bem espalhados em uma ótima meia hora inicial, o novo filme de Brian Duffield infelizmente se perde um pouco antes de tentar se salvar com um final maldoso.

Contém spoilers, beleza?

De vez em quando surge algum filme em algum streaming que gera alguma conversinha e une bolhas. Não sei se Ninguém Vai Te Salvar está totalmente contemplado no último caso, mas tem chamado atenção de públicos diversos. Minha animação para assistir cresceu depois do trailer animado e de um frame que mostrava aquele ET clássico, de corpo magro e longo, com os olhões pretos brilhosos.

As histórias de invasão alienígena que mais me atraem são as que mostram a coisa acontecendo ali, na hora, com o ser humano não fazendo ideia do que está rolando. Guerra dos Mundos é um bom exemplo disso. Do lado oposto, com humanos praticamente adaptados à convivência com alienígenas, não lembro de um exemplo que eu goste além de Distrito 9, que me agrada bastante!

Com isso em consideração, a meia hora inicial de Ninguém Vai Te Salvar foi deliciosa de assistir. Kaitlyn Dever é carismática e parece se divertir como a misteriosa Brynn fugindo do ataque extraterrestre em sua casa. Com o passar do tempo, para além de referências clássicas, o longa também remete ao badalado Um Lugar Silencioso. Isso eu só descobri enquanto assistia e acho que funciona bem mais aqui do que na produção de John Krasinski, que promete desde seu título muito mais silêncio do que nos faz escutar depois.

Feliz com toda a ação em seus momentos iniciais, me surpreendi com a primeira reviravolta do filme, que mostra a protagonista tentando pedir ajuda para o resto da cidade e sendo ignorada por todas as pessoas, levando até cuspida na cara (quem nunca?). Caminhando na direção de uma ótima referência ao praticamente subgênero Invasores de Corpos, o roteiro acerta em usar a rejeição sofrida por Brynn como mais um ponto de conexão com o espectador. Ela acabou de lutar contra um ET, poxa!

Ao mesmo tempo, cresce a clareza da informação de que o comportamento dos outros moradores da cidade se dá por algo grave que a protagonista fez no passado. O trauma se torna um tema mais latente e aparentemente previsível enquanto o filme é abduzido pela falta de regras. Os alienígenas mudam de comportamento a cada cena e suas habilidades idem: eles conseguem mover um carro e um sofá com sua tecnologia, mas são incapazes de destruir o teto da casa para capturar Brynn. E quando não é possível controlar o corpo de heroína (?), um clone é criado (pois é!). Entendo que conveniência talvez seja algo intrínseco a qualquer roteiro, mas se torna exagerada quando deixa a verossimilhança da história em risco, e é o que acontece aqui. Confesso, entretanto, que caí direitinho no clichê da protagonista enfrentando seu trauma passado, com seu eu completamente sujo e machucado matando o clone perfeito recém-criado. Clone que nos remete à persona que Brynn fingia ter no início da história. O que nos leva para o fim do filme. Ah, o fim do filme…

Como o título promete, ninguém salva a protagonista e ela é absolvida (ou condenada) pelos alienígenas, podendo viver a vida que nunca teve, repleta de relações sociais, ao lado de corpos controlados pelos invasores. O mais inusitado é que em um longa repleto de símbolos clássicos, um final sincero e maldoso surpreende, se tornando até arriscado. Acho que essa fuga de uma narrativa clássica nos últimos minutos pode incomodar para quem gostaria de assistir ao pacote completo de ótimos clichês de invasão alienígena. Eu gostei, me deixou com um sorrisinho na cara, é maldoso na medida certa e faz o filme crescer na minha cabeça com o passar dos dias, mas não chega a apagar os problemas do segundo ato repleto de repetições e saídas fáceis.

NOTA: 3,5/5