Motel Destino (2024)

Ambientado no litoral cearense, Motel Destino apresenta a história de Heraldo (interpretado pelo incrível prodígio Iago Xavier), que, sendo perseguido por uma dívida, busca refúgio em um motel de estrada gerenciado por Dayana (Nataly Rocha) e Elias (Fábio Assunção). O diretor Karim Aïnouz, nascido em Fortaleza, aposta nas cores fortes naturais externas e nos tons vermelhos do interior do motel. Tudo é muito quente, fator ressaltado pelo suor e sujeira sempre presentes na pele dos protagonistas. Uma romantização da vida cotidiana daquele ambiente, onde fica parecendo que tudo pode acontecer e leis não são devidamente seguidas.

O diretor volta à sua terra natal e é curioso associar elementos desse longa com o espetacular O Céu de Suely (2006). Enquanto há quase 20 anos acompanhávamos a busca de Suely por melhores condições de vida para ela e seu bebê, agora o som do choro infantil fora de tela é substituído por gemidos de prazer dos clientes do motel, embalando a história dos protagonistas, que parecem viver em um universo paralelo no ambiente claustrofóbico em que trabalham. A locação do motel, aliás, é um dos destaques do filme gravado em Beberibe, com destaque para o corredor de serviço em que os funcionários têm acesso aos quartos e que é um dos cenários mais marcantes e presentes do longa.

A excelente química entre o trio protagonista possui explicações que vão além da qualidade dos atores: a equipe contou com a presença de uma coordenadora de intimidade no set e teve a rara oportunidade de ter um mês de ensaio em locação antes das gravações começarem. O resultado é visto nas atuações que extrapolam os diálogos, que estão longe da mediocridade e se apresentam de forma muito natural, outra boa marca dos longas do diretor. Conseguimos perceber as relações dos personagens se estreitando em suas ações e reações. A aproximação de Heraldo e Dayana, sendo controlados por esse cara branco e miliciano do Rio de Janeiro, é complexa e íntima, enfrentando situações que os deixam ainda mais conectados. Se livrar de um corpo juntos é um ato de muita intimidade. É lindo quando os três personagens aparecem juntos, organizados em elaborados enquadramentos em tela.

Essas ações e reações ganham força com uma técnica que Karim diz ter se inspirado em David Fincher, que grava uma versão de suas cenas sem diálogos para poder capturar detalhes de emoção que às vezes passam despercebidos quando a voz também está em cena. Na montagem, é possível até cortar algumas linhas de fala dos personagens quando olhares e gestos já podem transmitir a mensagem desejada. Mas nem sempre o roteiro movimentado de Motel Destino faz bom uso dessa fórmula: algumas conversas são bastante expositivas. E a falta de diálogo às vezes não explica o momento, como quando Dayana deixa Heraldo entrar escondido no motel pela primeira vez.

“O perigo é bom, azeita as coisas” é uma frase dita por um dos personagens e que se reflete em tela a todo momento. Na reta final, essa claustrofobia do motel também faz o personagem de Iago fugir de sua vida e de quem é. Enquanto Fábio Assunção apela para o tom constrangedor no melhor dos sentidos, Nataly Rocha aposta certeiramente na já citada naturalidade. O resultado é delicioso, mas não consigo deixar de pontuar certa falta de cuidado com personagens que não seguem algum tipo de heteronormatividade, como se houvesse um julgamento a toda sexualidade reprimida ao fugir desse padrão. A construção sexual entre Elias e Heraldo, por exemplo, nunca se concretiza fortemente, o que é uma grande perda para a narrativa ao ser colocada apenas na condição do “será?”, mesmo diante de diversos momentos em que os corpos masculinos são explorados sensualmente pela câmera.

Outra inspiração citada por Karim é Teorema (1968), do Pasolini. A presença de Heraldo transforma para sempre a vida dos funcionários já acomodados na rotina de funcionamento do motel. E nada mais é o mesmo. Essas transformações se mesclam na estética do filme. Todo gravado em película, é fácil e sexy notar o destaque do suor, do vermelho e do neon. As cores dos lençóis e do céu sempre chamam atenção.

Talvez no futuro não se destaque na filmografia do diretor, mas Motel Destino definitivamente desperta a curiosidade de ver Karim trabalhar mais no Brasil, especificamente no Ceará. Tudo é muito bonito, sensual e bem pensado.

NOTA: 3,5/5

Armadilha (2024)

M. Night Shyamalan, que acabou estigmatizado por seus filmes com reviravoltas e tensões psicológicas, retorna com Armadilha (Trap), num cenário que mistura o mundano com o aterrorizante. Mas, assim como a emboscada que Cooper (Josh Hartnett) tenta evitar, o filme também leva o diretor para a armadilha que suas marcas autorais fizeram o público esperar. 

A premissa é simples: uma noite que deveria ser divertida para Cooper e sua filha Riley (Ariel Donoghue), no show de uma popstar, se transforma em um pesadelo quando percebem que estão no epicentro de uma operação para capturar um serial killer. Até aí, Shyamalan nos entrega o que prometeu: uma ambientação cheia de tensão, onde bastidores e áreas de espectadores são filmados com um cuidado que destaca a técnica para a criação e representação do espetáculo.

O problema começa quando a simplicidade dá lugar à conveniência. Cooper, que se revela como o procurado assassino, começa a se safar com roubos de rádios, infiltrações em áreas restritas e encontros com funcionários falhos. Esse exagero proposital é a grande marca do filme, que acaba se tornando bastante divertido quando a chave vira e você passa a encará-lo de uma outra maneira. Mas as falhas não compensam essa diversão.

Riley, a filha do protagonista, uma adolescente que parece tão dedicada ao show da Lady Raven quanto uma criança que se perde em um parque de diversões, passa bastante tempo perambulando fora da arena enquanto perde o show pelo qual, supostamente, tanto ansiava. Lady Raven, aliás, interpretada pela filha do próprio Shyamalan, Saleka, até consegue convencer como uma estrela pop, mas sua atuação deixa a desejar em alguns momentos..

E é impossível não aplaudir o cuidado com a música. As cenas que capturam o público realmente cantando as músicas da Lady Raven são um refresco em um tipo de abordagem em que esses detalhes costumam ser deixados de lado.

Josh Hartnett varia entre momentos de insanidade convincente e outros de atuação menos inspirada. Mas seu carisma e a nostalgia que desperta nos acompanhantes de filmes de terror do começo dos anos 2000 acrescenta ainda mais a já citada diversão.

Armadilha se prende tanto nas reviravoltas, especialmente em seu ato final, que cai na própria armadilha narrativa. Como em Os Observadores (2024), de sua filha Ishana, o diretor Shyamalan faz o terceiro ato de sua história se perder em múltiplos finais e desvia tanto do palco principal que o filme, em vez de intensificar a tensão, acaba se tornando maçante em seus últimos minutos. Esse ato final que ainda me deixou com mais vontade de acompanhar a personagem da ótima Alison Pill, que se restringe a aparecer apenas nessa última meia hora do longa.

No final das contas, Armadilha, como o próprio título sugere, prende o espectador em uma teia de conveniências e exageros. É fácil ver as falhas no momento, mas, assim como aconteceu comigo, o filme pode crescer na sua mente depois de assistido, principalmente na ótica da suspensão de descrença.

NOTA: 3/5

Os Estranhos: Capítulo 1 (2024)

Uma parte das frustrações causadas por filmes vêm por conta da alta expectativa que temos antes de assisti-los. O lançamento do primeiro longa de uma trilogia dentro da franquia de Os Estranhos, 16 anos depois do original, realmente mexeu com minha animação com o que estava por vir e infelizmente ele estava dentro dessa parte das decepções.

Os Estranhos: Capítulo 1 (The Strangers: Chapter 1) acompanha um jovem casal viajando para o campo que precisa se hospedar em uma pequena cidade quando o carro quebra. Nada novo, mas tudo certo, não é sobre isso, mas o problema já começa aí.

Em Os Estranhos (2008) e em Os Estranhos: Caçada Noturna (2018), as premissas também não são necessariamente criativas, mas o apelo dos dilemas passados por seus personagens são muito fortes. No primeiro, um casal em um triste término e, no segundo, uma família tentando se reorganizar emocionalmente. Nesse, um casal confrontado pelos vivos são tão vazios e “somente” apaixonados que chegam a fazer com que se torça para os mascarados. E torcer para os vilões às vezes é a ideia de algum dos filmes do gênero, mas não era a intenção aqui. Os anteriores eram mais cruéis no sentido da desgraça que toma conta da vida dos personagens durante a noite em que as histórias se passam.

Na verdade, na nova produção, é possível ver pontos negativos antes mesmo de se descobrir a premissa. Além de uma fraca cena de abertura, os letreiros iniciais geram uma desconexão do espectador AVISANDO QUE É UM FILME! O texto ainda promete uma das histórias de crimes violentos mais brutais, o que não se cumpre nessa primeira parte da história.

As situações iniciais enfrentadas pelo casal parecem criadas mais para gerar tensão do que para fazer sentido. Os protagonistas são mais azarados do que vítimas da esperteza dos mascarados. Há menos confronto direto com os vilões do que nos longas anteriores, e olha que no original esse tipo de duelo também demora para acontecer.

Os icônicos mascarados, aliás, são onipresentes. O diretor Renny Harlin possui um histórico de produções bastante aleatório, passando por clássicos das sessões do SBT, como Do Fundo do Mar (1999), até clássicos como Duro de Matar 2 (1990). Seu vasto repertório de trabalho não o faz escapar de decisões fáceis e um gancho que não importa muito no final. Marcas super fortes da franquia são aproveitadas de um jeito fraco e os mascarados parecem possuir super-poderes, se antecipando aos protagonistas, desaparecendo e pendurando animais mortos no teto da casa de maneira completamente inverossímil.

Focando em boas escolhas feitas no filme, há um resgate da ótima canção Sprout and the Bean, da Joanna Newsom (que é casada com o Andy Samberg e não deixa suas músicas no Spotify) e uma boa escolha para a protagonista, Madeleine Petsch, que faz ótimas caras de assustada.

Tudo parece ser um disparo para situações que talvez só encontrem desfecho nos próximos capítulos, mas me incomoda demais o filme não ter um desfecho em si mesmo. Há um ar de conspiração na cidade pequena que nunca se conclui de fato, por exemplo. As duas continuações já estão gravadas e em pós-produção, com uma delas sendo lançada ainda esse ano. Não gostaria de ser o editor nesse momento, já que as críticas a esse primeiro longa com certeza tornará seu trabalho mais difícil e repleto de refações. Com certeza verei, por gostar da franquia e por ter certa dificuldade em abandonar obras serializadas pela metade, só que já não tenho mais as altas expectativas que criei para esse início da trilogia.

Mas espero que as unhas douradas da protagonista continuem lá, são belíssimas.

NOTA: 2/5

O Cara da Piscina (2023)

Não é incomum que atores se tornem diretores e/ou roteiristas depois de certo tempo de carreira. Também não é incomum que eles não sejam necessariamente bons nessas “novas” funções, mesmo que contem com o dinheiro e o elenco que parecem infalíveis. Esse é o caso de O Cara da Piscina (Poolman), dirigido e estrelado por Chris Pine.

No longa, o limpador de piscinas de Los Angeles, Darren Barrenman (Chris Pine), é abordado para ajudar a descobrir a corrupção em um negócio duvidoso. E, apesar de parecer muito mais inteligente que isso, confia em uma estranha que fornece informações sobre o caso, iniciando uma investigação ao lado de suas pessoas mais próximas.

Em boa parte do tempo, o longa brinca com o noir e clássicos de investigação, mas recorre de forma muito negativa aos elementos clichês desses tipos de produção. A linguagem com muita informação deixa tudo muito caótico, atirando para vários lados, contando com sonhos repetitivos e personagens olhando para a câmera em dois momentos completamente fora do tom do que é mostrado ao longo da projeção. Diálogos rápidos e enérgicos confundem o roteiro desde o começo do filme, somados a uma direção que, apesar de todas as tentativas, segue bastante quadrada. Esse caos não ajuda a se envolver na história e nem a se relacionar com os personagens. Por mais que os 100 minutos de duração passem de forma rápida, perto da metade do filme a impressão ainda é de que tudo está começando, mas nada vai a lugar algum.

E não é por falta de elementos que poderiam ser bem explorados. A cena inicial, com a limpeza detalhada da piscina ao som de Dueto das Flores, pode prometer mais do que a produção pode entregar. Há boas reflexões. O protagonista parece não se conformar completamente com a própria vida e encontra na investigação uma motivação maior, ele envia cartas reflexivas para Erin Brockovich, questionando sobre quando sua paixão virou raiva. Infelizmente, tudo isso é pouco aproveitado. A própria reflexão sobre os conjuntos habitacionais de Los Angeles se perdem numa ambientação falha, onde o local nunca é de fato mostrado.

Se às vezes dizemos frases como “o elenco salva o filme”, aqui não cabe, apesar dos nomes excepcionais. Annette Bening, Jennifer Jason Leigh e Danny DeVito são desperdiçados com personagens de exposição fácil, que se transformam em investigadores muito atrapalhados. Há uma cena em que Stephen Tobolowsky fala em voz alto algo como “nossa, hoje foi ótimo, poderia fazer isso pra sempre” enquanto está sozinho após um grandioso momento. A literalidade chega ao ápice em uma “piada” com o personagem de Denny Devito marcando para o espectador o começo do terceiro ato do filmes.

O twist, aliás, chega tarde. Também tornando rasa a abordagem do tema de saúde mental, beirando ao problemático. Não vou nem entrar no ponto sobre o que acontece com o único personagem que tem o mínimo de código queer no filme, assim como a única atriz negra, DeWanda Wise, tendo o papel de uma mulher misteriosa e extremamente bela, cheia de segredos.

Com base em uma Jornada do Herói aplicada de um jeito muito safado, O Cara da Piscina lembra aqueles filmes que aparecem na lista de indicados das categorias de comédia do Globo de Ouro, que ninguém sabe de onde veio. E isso está longe de ser um elogio. A estreia na direção e no roteiro de Chris Pine mostra, no fim das contas, que talvez haja um motivo para que o ator não tivesse mergulhado antes nas águas dessa piscina rasa.

NOTA: 1,5/5

Zona de Interesse (2023)

Nos últimos anos, 3 filmes me marcaram especialmente por suas cenas finais. São momentos que nem precisavam existir para que o longa fosse aclamado, mas cujas presenças funcionam como uma cereja de bolo para a catarse das histórias contadas. O primeiro foi Dor e Glória (2019), do Almodóvar, o segundo foi Assassinos da Lua das Flores (2023), do Scorsese, e agora Zona de Interesse (The Zone of Interest), de Jonathan Glazer.

Com 5 indicações ao Oscar 2024, o novo longa do diretor e roteirista de Sob a Pele (2013) e Reencarnação (2004) retrata o cotidiano da família do então comandante do campo de concentração de Auschwitz, Rudolf Höss, interpretado por Christian Friedel (Babylon Berlin).

Com a casa dos protagonistas literalmente dividindo o muro com Auschwitz, observamos a banalização do momento vivido através do dia-a-dia de quem se favorecia com as atrocidades e crimes cometidos na época. As preocupações com a rotina de filhos e com o jardim mostram a crueldade de um jeito diferente de outras produções que escolhem abordar o tema explicitando a tortura e a tristeza da vida dos perseguidos presos em campos de concentração. A forma como as crianças lidam com a situação dão uma pesada amostra de como o momento já estava enroscado a suas realidades.

Para acentuar esse desconforto, o som tem papel primordial. E desde a cena inicial isso é marcado para o espectador, que é mergulhado em sons à princípio não identificáveis enquanto na tela apenas se vê cores sem uma forma específica, algo que acontece em mais de um momento do longa. Do lado do muro em que não vemos a violência fisicamente, escutamos o som de máquinas, fogo e gritos que parecem crescer ou se tornam mais marcantes ao longo do filme. É como se fôssemos forçados a nos acostumar com esses sons infernais ao fundo, assim como os protagonistas fazem de forma natural.

As escolhas visuais também levam o longa para um lado artístico que combina bem com a falsa tranquilidade mostrada em tela. A câmera parada, sempre mostrando os cômodos de dentro da casa pelos mesmos ângulos, como em um jogo de videogame, reforça a rotina e a monotonia da vida das pessoas que fingem não saber ou simplesmente naturalizam o que acontece do outro lado do muro. Esse reforço é tão grande que, após a sessão, não foi incomum ouvir espectadores que consideraram o filme chato, mas considero que foi um risco escolhido a se correr pela proposta de como a história é contada.

Ainda falando da parte visual, dois momentos se destacam: a parte onírica presente na representação dos sonhos de uma das filhas do casal protagonista e o momento em que a sogra do protagonista observa com horror nos olhos e uma forte luz vermelha em seu rosto o que realmente acontece no ambiente vizinho ao da casa. A esposa de Rudolf, aliás, é interpretada pela contida e excelente Sandra Hüller (Anatomia de uma Queda).

A cena final, citada no começo do texto, deixa de lado qualquer resquício de pensamento de empatia pelos protagonistas. É importante ter, nos dias de hoje, a memória do que foi o nazismo. Somos constantemente assustados pela força que essa ideologia ainda tem e a forma como, na verdade, ela ainda parece crescer.

NOTA: 4/5

Carona Aterrorizante (2023)

Como eu sempre digo, uma pessoa com o rosto jorrando sangue em cima de uma criança é sempre uma boa maneira de começar um filme. A cena inicial, então, começa bem a nova produção assinada por Carter Smith pela Blumhouse. Em 2022, o diretor nos entregou o angustiante E EXTREMAMENTE GAY Engolidos (Swallowed), então expectativas já estavam estabelecidas antes de assistir.

Carona Aterrorizante (The Passenger) acabou de ficar disponível no Paramount+ e escolhe um caminho de violência mais brutal e escancarada, fugindo das ânsias de vômito que seu projeto anterior insistia em causar (e falo isso de uma forma muito positiva para Swallowed, juro).

Aqui os personagens também são completamente horrorosos desde que o conhecemos, com a exceção do protagonista Randy Bradley, interpretado por Johnny Berchtold. Quem diria que trabalhar numa lanchonete chamada Burgers Burgers Burgers em uma cidade de 10 mil habitantes não seria o emprego dos sonhos?

Frustrado e humilhado por seu chefe e colegas de trabalho, o introspectivo Randy tem sua vida movimentada quando Benson, interpretado por Kyle Gallner, decide ajudá-lo acabando com a vida de todos os funcionários presentes na lanchonete naquele momento. Grande ajuda, Benson, obrigado! A partir daí, os dois andam de carro pela cidade em um road movie maligno enquanto Benson acredita estar fazendo um favor ao tirar Randy de sua vida monótona.

Enquanto o personagem de Kyle Gallner (conhecido por marcantes papéis secundários em filmes de terror como Garota Infernal, Sorria e Pânico 5 (neste último marcado por uma péssima cena)) se revela para seu colega e adquire um casaco felpudo que certamente afetaria minha alergia, o roteiro parece tentar nos fazer refletir sobre a “bondade” de Benson ao livrar Randy de pessoas horrorosas em contraponto a sua visão reacionária que cresce a cada cena. Tudo isso passando por uma crítica aos empregos precarizados e a falta de esperança na vida de uma cidade pequena abandonada.

O tom segue como um bom filme do SuperCine e as viradas mantêm o ritmo agitado, apesar da premissa não prometer uma grande fuga de certos cenários ou situações. Mas esse clima também é frequentemente quebrado pela distração causada pelas atuações dos protagonistas, que acabam se atrapalhando. Enquanto Kyle apresenta um personagem cada vez mais surtado, Berchtold mantém uma interpretação contida que o personagem até pede, mas que o ator vacila na hora de entregar.

Outros pontos positivos são os efeitos visuais práticos, especialmente na cena da agressão no estacionamento, em que a boca ferida de um dos personagens causa uma aflição realista. E também a participação de Liza Weil (Gilmore Girls, How to Get Away With Murder), que entra em cena em um momento que acaba remetendo a séries de dez ou mais anos atrás, justamente das quais a atriz costumava participar. Sua personagem, aliás, é um importante contraponto para a já citada falta de esperança que é estabelecida como um traço marcante na cidade.

O final pesa para o apelo sentimental sem muito sucesso, especialmente com a trilha sonora gritante. O diálogo também enfraquece. Em uma exposição exagerada, o protagonista explica seu jeito a partir dos próprios traumas. Ele literalmente cita cenas iniciais do filme para explicar como o trauma do passado se relaciona com seu comportamento, é um didatismo exagerado de seus traumas. Mas confesso que os personagens chorando banhados por luzes avermelhadas e azuladas piscando enquanto dizem suas últimas falas me pegou um pouco, foi bom.

E apesar de não tão explícita, uma leitura queer se torna possível para além de um cara mais velho obcecado por um twink de 21 anos. Todos os ensinamentos e frustrações de Benson passam por situações infelizes de seu passado, isso fica muito claro na já citada cena do estacionamento, em que o personagem ataca um de seus antigos professores da escola e o motivo não é completamente dado. “Você é mais do que essa vida que você leva” ou algo do tipo é dito por Benson para Randy ainda nos momentos iniciais da trama. É isso que ele quer conquistar para seu novinho colega, mesmo que não meça muito bem suas atitudes para isso.

Carona Aterrorizante dificilmente vai superar ou sequer ocupar o mesmo espaço que o longa anterior de Carter Smith tem em minha memória, mas assim como Engolidos, esse filme também já cresce na minha cabeça pouquíssimo tempo depois de assistido, felizmente.

NOTA: 3,5/5

Ninguém Vai Te Salvar (2023)

Com deliciosos elementos clássicos bem espalhados em uma ótima meia hora inicial, o novo filme de Brian Duffield infelizmente se perde um pouco antes de tentar se salvar com um final maldoso.

Contém spoilers, beleza?

De vez em quando surge algum filme em algum streaming que gera alguma conversinha e une bolhas. Não sei se Ninguém Vai Te Salvar está totalmente contemplado no último caso, mas tem chamado atenção de públicos diversos. Minha animação para assistir cresceu depois do trailer animado e de um frame que mostrava aquele ET clássico, de corpo magro e longo, com os olhões pretos brilhosos.

As histórias de invasão alienígena que mais me atraem são as que mostram a coisa acontecendo ali, na hora, com o ser humano não fazendo ideia do que está rolando. Guerra dos Mundos é um bom exemplo disso. Do lado oposto, com humanos praticamente adaptados à convivência com alienígenas, não lembro de um exemplo que eu goste além de Distrito 9, que me agrada bastante!

Com isso em consideração, a meia hora inicial de Ninguém Vai Te Salvar foi deliciosa de assistir. Kaitlyn Dever é carismática e parece se divertir como a misteriosa Brynn fugindo do ataque extraterrestre em sua casa. Com o passar do tempo, para além de referências clássicas, o longa também remete ao badalado Um Lugar Silencioso. Isso eu só descobri enquanto assistia e acho que funciona bem mais aqui do que na produção de John Krasinski, que promete desde seu título muito mais silêncio do que nos faz escutar depois.

Feliz com toda a ação em seus momentos iniciais, me surpreendi com a primeira reviravolta do filme, que mostra a protagonista tentando pedir ajuda para o resto da cidade e sendo ignorada por todas as pessoas, levando até cuspida na cara (quem nunca?). Caminhando na direção de uma ótima referência ao praticamente subgênero Invasores de Corpos, o roteiro acerta em usar a rejeição sofrida por Brynn como mais um ponto de conexão com o espectador. Ela acabou de lutar contra um ET, poxa!

Ao mesmo tempo, cresce a clareza da informação de que o comportamento dos outros moradores da cidade se dá por algo grave que a protagonista fez no passado. O trauma se torna um tema mais latente e aparentemente previsível enquanto o filme é abduzido pela falta de regras. Os alienígenas mudam de comportamento a cada cena e suas habilidades idem: eles conseguem mover um carro e um sofá com sua tecnologia, mas são incapazes de destruir o teto da casa para capturar Brynn. E quando não é possível controlar o corpo de heroína (?), um clone é criado (pois é!). Entendo que conveniência talvez seja algo intrínseco a qualquer roteiro, mas se torna exagerada quando deixa a verossimilhança da história em risco, e é o que acontece aqui. Confesso, entretanto, que caí direitinho no clichê da protagonista enfrentando seu trauma passado, com seu eu completamente sujo e machucado matando o clone perfeito recém-criado. Clone que nos remete à persona que Brynn fingia ter no início da história. O que nos leva para o fim do filme. Ah, o fim do filme…

Como o título promete, ninguém salva a protagonista e ela é absolvida (ou condenada) pelos alienígenas, podendo viver a vida que nunca teve, repleta de relações sociais, ao lado de corpos controlados pelos invasores. O mais inusitado é que em um longa repleto de símbolos clássicos, um final sincero e maldoso surpreende, se tornando até arriscado. Acho que essa fuga de uma narrativa clássica nos últimos minutos pode incomodar para quem gostaria de assistir ao pacote completo de ótimos clichês de invasão alienígena. Eu gostei, me deixou com um sorrisinho na cara, é maldoso na medida certa e faz o filme crescer na minha cabeça com o passar dos dias, mas não chega a apagar os problemas do segundo ato repleto de repetições e saídas fáceis.

NOTA: 3,5/5