O Auto da Compadecida 2 (2024)

Quando o trailer de O Auto da Compadecida 2 chegou há alguns meses, a suspeita levantada não foi das melhores. A produção, toda feita em estúdio, e a repetição de alguns elementos marcantes do primeiro filme levantaram de imediato questões sobre a originalidade da sequência de um dos títulos mais icônicos do cinema brasileiro.

A trama se inicia 20 anos depois da história que já se conhece. Agora, João Grilo (Matheus Nachtergaele) retorna à Taperoá para se juntar ao velho companheiro Chicó (Selton Mello) e, após sua história de ressurreição ter se espalhado, é disputado como cabo eleitoral por dois poderosos políticos na cidade.

De fato, o estúdio, o CGI e as maquetes estão muito presentes no novo filme, mas sua utilização pode ser encarada como certo olhar fantástico numa artificialidade que dispara bonitos momentos na vida de personagens tão marcantes na cultura nacional. Mas novas caras formam um time de peso na sequência. Fabíula Nascimento, Humberto Martins, Luís Miranda, Taís Araújo e Eduardo Sterblitch são apostas certeiras de rostos carismáticos e talentosos.

Fica difícil, entretanto, não questionar  a maioria branca e sudestina em uma história que representa tão intensamente uma cultura regional do Brasil. Por mais talentosos que sejam, é bastante complicado encarar, por exemplo, os sotaques falsos que tanto são questionados até hoje por estarem presentes em nossas telenovelas.

Falando em talento, a dupla de protagonistas segue sendo destaque nesse novo filme. Selton Mello está mais contido e consegue adaptar o tempo passado entre as duas narrativas para como ele afeta seu personagem de maneira muito cuidadosa. Matheus Nachtergaele é tão talentoso que não chega necessariamente a surpreender, mas ganha ainda mais espaço para fazer seu João Grilo brilhar em tela. Apesar do roteiro se apoiar bastante nos trejeitos já conhecidos do personagem, Matheus tem a possibilidade de demonstrar sua versatilidade em cenas como a revisita ao clássico momento do purgatório, que funciona quase como uma homenagem a uma das cenas mais marcantes do cinema nacional. E aproveitando as menções para o sucesso do original, destaco também a sempre excelente Virginia Cavendish, como uma Rosinha agora mais independente e com mais motivações.

A direção de Guel Arraes e Flávia Lacerda é divertida, brinca com profundidade e foco em diversos momentos. Ao lado de João Falcão e Adriana Falcão, Guel assume o roteiro, que chegou a ser conversado com Ariano Suassuna em etapas iniciais e foi aprovado pela família do escritor. O salto temporal é usado para encher a trama de elementos baseados nas mudanças da vida dos personagens e traz uma boa, mas não muito profunda (o que também não seria a intenção) discussão sobre polarização política, tecnologia e manipulação dos meios de comunicação. O foco nessa temática e no resgate nostálgico acaba sendo atrapalhado por inserções publicitárias mal colocadas e uma fraca resolução para os diversos e carismáticos personagens secundários.

Brincando com o próprio fato de ser uma continuação, O Auto da Compadecida 2 chega em um bom momento, aproveitando o espaço que grandes estreias nacionais costumam ter nessa época do ano. E apesar dos atropelos e repetições já citadas do roteiro, o sucesso, sem dúvidas, é certo.

NOTA: 3/5

Como Ganhar Milhões Antes que a Avó Morra (2024)

Com uma sequência de abertura efetiva, Como Ganhar Milhões Antes que a Avó Morra (Lahn Mah) apresenta elementos culturais de forma aparentemente bastante natural, ao mesmo tempo que desenvolve a narrativa disparando a premissa do longa. Acompanhamos a humilde família protagonista, de origem chinesa, em um belo cemitério da Tailândia.

O filme nos apresenta M, um jovem que abandona o trabalho para cuidar da avó à beira da morte, motivado pela herança que pode receber dela. Ele planeja conquistar a preferência familiar dela antes que ela morra.

Adotando uma narrativa melodramática clássica, o roteiro se apresenta em uma fotografia bonita e bem pensada, usando bem os elementos do caos de uma cidade desde os créditos iniciais. A composição de cenas realmente chama atenção, planejada em cada novo plano e com várias soluções espertas, especialmente nas locações mais movimentadas.

O roteiro ensaia uma reflexão de como a geração z nascida após 2000 está querendo ir atrás de dinheiro de maneiras menos tradicionais, questionando o ideal de se trabalhar com o que se sonha e priorizando a grana. A prima do protagonista, uma das personagens mais interessantes da história, aliás, herda uma mansão, quer investir seu dinheiro e tem uma conta no OnlyFans. Em um contraponto um pouco mais tradicional, há uma romantização da família batalhadora que se sacrifica para manter uma renda que forneça sua sobrevivência: uma mulher larga a escola para trabalhar com a mãe em uma barraquinha de comida de rua e, em uma cena específica em hospital, vemos uma enorme fila marcada no chão pelos calçados das dezenas de pessoas que aguardam atendimento. Esta última é uma cena bonita, reforçada pela já citada cuidadosa fotografia, mas que apela para um sentimentalismo fácil.

Obviamente há muita eficiência nessa apelação. O longa é um ótimo exemplo de como usar clichês de maneira popular em sua primeira metade. A transformação do personagem principal, aprendendo sobre a vida com a avó e tendo uma experiência de evolução em uma história que começou por puro interesse, emociona e causa risadas fáceis em diversos momentos. É o filme “para toda a família”. E digo isso no melhor sentido que essa expressão pode ter.

Na segunda metade, o roteiro se ocupa ainda mais em querer fazer chorar e mergulha no melodrama em uma pesada mão do diretor Pat Boonnitipat. A trilha sonora pesada em momentos emocionados e a exploração mais profunda da condição da avó com câncer acabam enfraquecendo o bom uso dos clichês da primeira hora.

Pensando em mercado internacional e na presença do filme tailandês na shortlist de indicações para a categoria de Melhor Filme Internacional do Oscar, não consigo não questionar certa “limpeza” que é feita dessa Tailândia mostrada para o exterior. Penso nisso levando em consideração muitas das produções que são feitas por aqui também, especialmente as que romantizam pobreza. Infelizmente, também acho que possa ser o caso de Como Ganhar Milhões Antes que a Avó Morra.

NOTA: 2,5/5

Sebastian (2024)

A exposição mal executada e às vezes desnecessariamente verbalizada está entre os grandes problemas de Sebastian. Há uma cena no longa de Mikko Mäkelä em que o protagonista Max, que está acostumado a sair com seus clientes de seu trabalho como garoto de programa, transa casualmente com um colega que, em determinado momento, pede para que ele pegue mais leve no sexo. Logo em seguida, como se já não estivesse claro o que a cena representa, o personagem ainda declara que eles não estão em um filme pornô para que o protagonista se comporte daquela maneira. Esse excesso de explicação que atrapalha diversos momentos do longa.

O filme chega nesta semana aos cinemas brasileiros após passagem por alguns festivais e conta a história de Max, interpretado pelo fraco Ruaridh Mollica, um aspirante a escritor de 25 anos que mora em Londres, começa uma vida dupla como Sebastian, um trabalhador sexual, para inspirar seu romance de estreia.

É triste ver o potencial do filme desperdiçado por conta dessa exposição. Em alguns momentos, o roteiro realmente apresenta bem seus personagens no diálogo, como quando um dos clientes fala sobre decidir ficar em um apartamento grande mesmo depois de passar a viver sozinho. A explicação para isso vem depois, tudo bem, mas é um ótimo momento de abertura de um personagem que não fala muito sobre si e está criando uma conexão com o protagonista.

Falando em seus clientes, há também um estereótipo dos homens atendidos por Max. Todos apresentados são mais velhos, com alguma questão pessoal grave. O único com a idade próxima a do protagonista está fazendo uma festinha com outros garotos de programas, regada a drogas. E nesse sentido, o filme também parece se aprofundar menos do que acha que se aprofunda na questão do trabalho sexual.

Pessoas familiarizadas com debates de temática queer mais facilmente entram de cara no que o filme se propõe em seus primeiros minutos devido a sua forma eficiente de apresentar seu tema e seus personagens. Apesar de ser feito de uma boa maneira, acaba prejudicando o roteiro do longa em seu decorrer.

Não há uma progressão de mudança de comportamento do protagonista para quando sua vida pessoal começa a ser afetada pelo seu trabalho como garoto de programa. Só depois o espectador passa a entender que ele está preso a essa função de uma forma pessoal para além do interesse do que ela pode oferecer positivamente para seu trabalho como escritor.

Apesar dessa falta de progressão, a direção de Mikko assume um caminho seguro e que funciona em diversos momentos para retratar os dilemas internos de Max, que após um grande ato de sabotagem de sua carreira profissional como escritor, caminha por um corredor escuro e depois observa seu reflexo distorcido em uma janela de metrô.

O trabalho de Ruaridh como ator também não ajuda a convencer nessas mudanças de comportamento do personagem. Além de algumas falas colocadas de maneira inverossímil, suas feições nem sempre mostram o que realmente se passa com Max, e não digo isso no sentido de que o personagem é misterioso.

Também são incluídos comentários excessivos sobre a dificuldade financeira do mercado editorial. O não aprofundamento parece deixar a informação presente apenas para o momento em que o protagonista é questionado sobre estar fazendo o trabalho sexual para compensar a dificuldade financeira por tentar viver da literatura, não há um aprofundamento real sobre como essa questão poderia afetar a vida do personagem.

Além disso, também há uma personagem racializada que funciona apenas como a amiga de Max, que o aconselha e serve apenas para que ele exponha seus dilemas, se tornando vítima das irresponsabilidades do protagonista. A existência dessa personagem no terceiro ato é praticamente nula, exceto, é claro, por uma ligação preocupada para o amigo que não dá notícias há um tempo e ainda a usa como desculpa para a própria mãe por ter saído do país repentinamente.

A parte mais interessante do roteiro, que fala sobre a escrita de autoficção e de como o protagonista esconde parte importante de sua vida, também é mal explorada e romantiza a conexão da escrita como arte e experiências pessoais, ignorando todo o trabalho técnico e de reescrita que esse processo envolve. Max é um astro sem parecer se esforçar tanto para isso além de se aventurar com seus clientes enquanto é Sebastian. Eu juro que em uma das últimas cenas ele chega a escrever com papel e caneta o começo de um livro em primeira pessoa. Difícil…

NOTA: 2/5