48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo Vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza pelo trabalho da dupla Murilo Hauser, Heitor Lorega
Finalmente! O filme brasileiro Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, chega aos cinemas nacionais! O longa é estrelado por Selton Mello e Fernanda Torres, que ganha cada vez mais força nas especulações de uma possível indicação para a categoria de Melhor Atriz no Oscar, um dos maiores prêmios do cinema mundial. Caso isso aconteça, a atriz repetirá o feito de sua mãe, Fernanda Montenegro, que também está no filme e concorreu na premiação por seu trabalho em “Central do Brasil” (1998).
Ainda Estou Aqui se passa no Rio de Janeiro, no início dos anos 1970, quando o país enfrenta o endurecimento da ditadura militar. Estamos no centro de uma família, os Paiva: um pai, Rubens, uma mãe, Eunice, e os cinco filhos. Vivem na frente da praia, numa casa de portas abertas para os amigos. O afeto e o humor que compartilham entre si são suas formas sutis de resistência à opressão que paira sobre o Brasil. Um dia, eles sofrem um ato violento e arbitrário que vai mudar para sempre sua história. Eunice é obrigada a se reinventar e a traçar um novo destino para si e os filhos. Baseada no livro biográfico de Marcelo Rubens Paiva, a história emocionante dessa família ajudou a redefinir a história do país.
Confira a crítica em vídeo:
Ansioso para assistir a esse filme nos cinemas? Conta pra mim suas expectativas e o que está esperando do novo longa.
48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo Exibido nos festivais de Cannes, Toronto e San Sebastián
Sol de Inverno (Boku No Ohisama) chegou ao Brasil na Mostra de São Paulo com uma curiosidade extra para cinéfilos. O filme japonês dirigido e escrito com sensibilidade por Hiroshi Okuyama, que também assina a belíssima fotografia da produção, é o primeiro longa distribuído pela Michiko, distribuidora criada por Michel Simões e Chico Fireman, membros do saudoso podcast Cinema na Varanda, que muito aumentou meu conhecimento sobre diretores internacionais. O longa tem previsão de estreia para janeiro no Brasil.
O filme se passa em uma pequena ilha japonesa, onde a vida gira em torno das mudanças das estações. O inverno é época de hóquei no gelo na escola, mas Takuya não demonstra muita animação com isso. O verdadeiro interesse do garoto está em Sakura, uma estrela em ascensão da patinação artística de Tóquio, por quem ele desenvolve um fascínio genuíno. Arakawa, treinador e ex-campeão da modalidade, vê potencial em Takuya e decide orientá-lo para formar uma dupla com Sakura para uma competição que acontecerá em breve. Enquanto o inverno se prolonga, os sentimentos se aprofundam, e os dois jovens criam um vínculo harmonioso. Mas até mesmo a primeira neve acaba derretendo.
O paralelo entre o hóquei e a patinação traz um dos temas centrais: o que é esperado de meninos e meninas. A representação da masculinidade é um dos fatores centrais do longa, tanto na figura de Takuya, que transita do hóquei para a patinação, quanto na de Arakawa, que vive com seu namorado e não tem maiores questões em relação a sua sexualidade.
Enquanto esses personagens se aproximam, o espectador é apresentado, em várias cenas, aos personagens observando outras situações. Apesar dos acontecimentos serem centrais, o foco é nos olhares desses protagonistas para o que está ocorrendo, destacando a sensibilidade e reações de cada um de maneira muito íntima, já que na maior parte dessas “observações” eles se encontram sozinhos.
O rinque, quando utilizado para a patinação artística, é apresentado como um lugar mágico. A luz do dia do lado de fora é mostrada de forma estourada nas janelas. Não é possível ver o exterior desse lugar, porque enquanto os personagens patinam, nada do que está fora dali realmente importa.
Os momentos de dança, aliás, são filmados com delicadeza e acompanham os movimentos dos artistas sem cortes. Eles saltam e deslizam em velocidade alta de forma muito natural. E momentos como esses são embalados de forma muito emocionante pela tocante canção Clair De Lune, de Claude Debussy. Vale também destacar o cuidado com que a relação entre professor e alunos é mostrada, pois esse ponto poderia facilmente ser abordado de forma problemática.
Quando esses personagens se aproximam e praticam juntos, as cenas de observação alheia terminam e o espectador se torna o observador. Agora os protagonistas estão juntos. E apesar da trama se desenvolver lentamente até essa união principal, os momentos finais dão lugar a conflitos e resoluções de maneira apressada.
Como se tivessem vivido um “amor de inverno”, a estação vai mudando, a neve vai embora e as cores do filme se tornam mais quentes. Os três protagonistas, então, tomam atitudes e se transformam junto com o clima em um desfecho quase agridoce, mas que não deixa de espantar por conta da forma repentina que acontece. As mudanças são justificadas, mas parecem pouco trabalhadas em um roteiro que era tão profundo em relação aos sentimentos de seus protagonistas na maior parte do tempo.
Takuya, Sakura e Arakawa não são mais os mesmos e, apesar dessa mudança tão rápida quanto o derretimento da neve no fim do longe, Sol de Inverno tem sua força concretizada na sensibilidade com que aprofunda a relação dos três e a paixão que eles compartilham pela patinação artística e o momento muito único que viveram juntos.
Vencedor do Prêmio Paradiso na48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo Exibido no Festival de Sundance
A estreia na direção de longa-metragem do diretor Pedro Freire pode causar estranheza em um primeiro momento. Com o passar dos minutos, especialmente em sua segunda metade, quando a situação de sua protagonista é revelada, o filme caminha para o tema de saúde mental. Confesso que minha reação inicial foi ter medo de como a questão seria abordada, mas a história ganha uma nova camada quando Pedro revela, no fim da projeção, que seu roteiro é inspirado na história de sua mãe, Malu Rocha.
Em Malu (2024), vencedor do Prêmio Paradiso na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a protagonista é uma mulher de meia-idade que teve um passado glorioso e agora está presa em um grande caos existencial. No embalo dos anos 90, a complexa relação com sua mãe conservadora e sua filha torna a crise ainda mais aguda, entre momentos de carinho e alegria entre as três. Uma mulher em busca de si mesma.
Para explicar essa relação familiar, primeiro Malu (Yara de Novaes) é apresentada como filha, em um conflito que estabelece bem as diferenças ideológicas entre a protagonista e sua progenitora Lili, interpretada por Juliana Carneiro da Cunha. Em seguida, conhecemos a Malu mãe, carinhosa e com muitas saudades de sua filha única, Joana (Carol Duarte).
As questões entre essas três gerações de mulheres com personalidades muito fortes destacam um subtexto que reflete a cultura, especialmente o teatro, nos dias de hoje. Joana e seus amigos escutam apaixonados as histórias do passado de Malu ao mesmo tempo que ouvem com admiração, mas sem realmente acreditar, os planos da mulher para construir um centro cultural popular que tem como base o terreno de sua casa.
Tibira, personagem que lindamente ganha vida nas mãos de Átila Bee, representa o artista e a cultura contemporâneos, que abre espaço para corpos que normalmente não eram associados a essa esfera, e que mesmo mais presentes, ainda enfrentam preconceito. Apesar das dificuldades, Tibira nunca deixa de essencialmente ser quem simplesmente é.
As três atrizes protagonistas conseguem explicitar tanto as diferenças quanto o carinho e afeto entre suas personagens. Suas conversas, abraços e reflexões são enquadrados de forma muito poética pelos olhos do diretor e roteirista. A cena de Joana e Malu deitadas na cama, assim como a da filha observando a mãe dançar, é de tirar o fôlego. As relações entre as três são complexas e, mesmo após discutirem com insultos pesados, dividem tarefas e se ajudam mutuamente em outras situações. E é nesse ponto que a temática que está mais na superfície do filme me atinge de maneira pessoal com um momento presente na vida de tanta gente: quando um filho passa a ter que cuidar da própria mãe. Até que ponto a responsabilidade de cuidar dos próprios pais deve respeitar a linha que talvez impeça o filho de seguir a própria vida do jeito que sempre sonhou? E isso se aplica tanto a Malu quanto a Joana, num cuidado e maestria de amarrar esse assunto no roteiro.
A sensação que tive, ao longo do filme, foi que essa história assume quase que um tom de fábula. Isso começa devagar, com uma discussão de Malu com sua filha numa noite em que a casa fica sem energia elétrica, e vai até símbolos mais fortes. O afastamento repentino de personagens e a deterioração dos sonhos e da casa de Malu, que parece ir ficando mais largada, com paredes no tijolo, sem pintura e móveis antigos. É como se a mente de Malu extrapolasse seu corpo e se materializasse no mundo físico ao seu redor.
O filme termina com um comentário social expositivo, porém direto, reflexo da relação entre todos os seus personagens ao longo de seus 100 minutos. A protagonista fala sobre as diferenças de gerações e de questionamentos sobre o futuro de uma forma mais explícita do que o roteiro tinha feito até então. Não prejudica, mas causa estranhamento. É uma boa decisão para a reflexão do público após a sessão: quais são as grandes diferenças entre essas gerações e como a sociedade é reflexo delas? Após reflexões em meio a devaneios, Malu pergunta para a própria filha, e também para o público, qual o destino da viagem que estão fazendo.